sábado, 30 de setembro de 2023

A Origem do Clube do Remo

A CHEGADA DO REMO AO PARÁ

O remo começou a ser praticado no Brasil a partir da segunda metade do século XIX. No Pará em 1850, por exemplo, já eram realizados “desafios” entre pequenas baleeiras e canoas de alto mar. Entretanto é no início século XX que esse esporte olímpico atinge seu ápice, atraindo vários adeptos e simpatizantes, tanto que diversos clubes tradicionais surgiram nessa época. Em Belém, as regatas eram — e ainda são — realizadas às margens da baía do Guajará, sempre recebendo bons públicos. Alguns clubes já despontavam no esporte como o Clube Esportivo Paraense, o Pará Club, o Clube Guajará e o Sport Club do Pará.

FUNDAÇÃO E PRIMEIROS MOMENTOS

É no contexto de popularização do esporte náutico que começa a história do Maior Clube da Amazônia, fruto de uma dissidência do Sport Club do Pará, a grande potência sócio-desportiva da época. Isso se deu mais especificamente em 1905,  momentos antes da formação de uma regata, quando alguns atletas se desentenderam com seus companheiros e resolveram se desligar do Sport Club. Eles tiveram a ideia de criar uma equipe própria para a prática da canoagem e, com o apoio de outros desportistas, fundaram o Grupo do Remo em 05/02/1905.

Atletas do Grupo do Remo. Acervo de Ítalo Costa

Os detalhes que norteiam o surgimento do Grupo do Remo foram revelados pelo Sr. José Henrique Danin, um dos fundadores, em entrevista à A Província do Pará, no cinquentenário do clube. Segundo o depoimento, o grupo dissidente era composto de sete remadores: o próprio Danin, os irmãos Victor e Raul Engelhard, Vasco Abreu, Eugênio Soares, Narciso Borges e mais um, que seria ou Jean Marechal ou Eduardo Cruz. Sobre o nome do clube, a ideia partiu de Raul Engelhard, mas à priori, a escolha sofreu resistência, pois remo fazia referência à catraia, uma pequena embarcação. Engelhard explicou o motivo, lembrando-se do Rowing Club, da Inglaterra, que conhecera quando estudara na Europa, sendo, então, aceito por todos.

José Henrique Danin em 1955. A Província do Pará, 05/02/1955

A consolidação oficial do clube se deu com a publicação do seu Estatuto no Diário Oficial do Estado, ano XV, nº 4.049, de 09/06/1905, no qual dizia que o Remo se destinaria “a incentivar, estimular e desenvolver por todos os meios a seu alcance o esporte-náutico neste Estado, promovendo regatas sempre que julgar oportuno e seus recursos o permitirem”.

O documento também trazia os nomes 20 sócio-fundadores do Grupo do Remo. São eles: José Henrique Danin, Raul Engelhard, Roberto Figueiredo, Antonio La Roque Andrade, Victor Engelhard, Raimundo Oliveira da Paz, Antonio Borges, Arnaldo R. de Andrade, Manoel C. Pereira de Souza, Ernestino Almeida, Alfredo Vale, José D. Gomes de Castro, José Maria Pinheiro, Luiz Rebelo de Andrade, Manoel José Tavares, Basílio Paes, Palmério T. Pinto, Eurico Pacheco Borges, Narcisco F. Borges, Heliodoro de Brito. Nota-se a ausência de Eugênio Soares, Vasco Abreu, Cruz e Marechal, pois não estavam presentes no momento da assinatura do Estatuto, mas são igualmente fundadores.

Placa exposta na sede social do Clube do Remo em homenagem aos fundadores, listando 21 nomes com inclusão de Eugênio Soares

Logo o Remo passou a incrementar o seu patrimônio. No dia 16/04/1905, nos estaleiros do Sr. M. J. Nunes, no beco do Carmo, foi colocada a quilha da embarcação a qual os azulinos haviam mandado construir. Era uma baleeira feita de madeiras reais e que tinha como medidas oficiais: 9 m de comprimento, por 1,10 m de largura, tendo 1,10 m de boca por 50 cm de pontal. O Remo ainda possuía um barco para treinos e projetava a construção de outras duas.

Em homenagem histórica à adesão do Pará à Independência do Brasil, a data de 15/08/1905 foi escolhida para a inauguração oficial do Grupo do Remo. O jornal A Província do Pará, de 29/09, informou que os azulinos inaugurariam, no dia 01/10, a sua sede náutica, localizada à Rua Siqueira Mendes – antiga Rua do Norte, a primeira de Belém –, com fundos para a baía do Guajará, funcionando também como garagem de barcos. A sede fora alugada junto à Intendência Municipal.

O evento teve início às 9h da manhã. Os convites oficiais ficaram a cargo de Raul e Victor Engelhard. No trapiche da Companhia Amazonas estava atracada uma lancha especial que seria utilizada para o transporte dos convidados ao local da solenidade. Na ocasião, efetuou-se o batismo e o lançamento ao mar da baleeira “Tibiriçá”.

No dia 16/11, o Sport Club do Pará, em parceria com a Intendência Municipal, realizou as regatas comemorativas à adesão do Pará à República. O evento contou com a presença das guarnições dos marinheiros nacionais da caça-torpedeira “Gustavo Sampaio”, do “Comandante Panema” e do “Comandante Oliveira”; amadores do Clube Esportivo Paraense, com duas guarnições, ambas patroadas pelas Srtas. Miriam Cunha e Cecília de Brito; amadores do Sport Club, Pará Club, Associação Dramática Recreativa Beneficente; e os operários do Arsenal de Marituba.

No entanto, a organização da regata criou barreiras que impediram o Grupo do Remo de ingressar na competição. Os integrantes do Grupo então divulgaram uma nota na imprensa para o público relatando o caso. A bordo da lancha “Alice”, partindo da garagem náutica, os azulinos rebocaram os barcos da baía. Ao lado da lancha estava presa uma faixa onde lia-se “excluído do campeonato”. Em saudação ao público, os remistas deram vários tiros de peça e, logo após isso, foram cumprimentar o Pará Club, campeão daquela manhã náutica. 

Passados alguns dias depois do ocorrido, os remistas foram convidados a participar de uma competição no município de Soure, na ilha do Marajó. O Grupo do Remo fez-se presente e competiu com duas canoas: “Flor da Alegria” — vencedora da prova, tripulada por Victor Engelhard, José Aranha Gonçalves e Isidoro Pereira — e “Marocas” — tripulada por José Danin e Raul Engelhard.

Além da área esportiva, os primeiros remistas se dedicaram também aos empreendimentos sociais, como os famosos picnics com seus associados nas proximidades de Belém. Em 14/07/1906, associados e convidados dirigiram-se à ilha de Tatuoca a bordo do vapor “Ipixuna”, agraciados com os acordes de uma excelente orquestra. Contam os jornais da época que, ao embarcarem na ilha do Mosqueiro, os azulinos foram recebidos com grande festa por diversas girândolas e foguetes, além de uma banda que tocava uma animada marcha. Em troca, foram saudados de bordo com tiros de canhões e revólveres.

No dia 07/09/1906, a bordo do vapor “Moa”, o destino foi o sítio Maguary, de propriedade do presidente Antônio José de Pinho. Já em 02/07/1907, os azulinos partiram para o sítio Forangaba, do major Manoel Rodrigues Coimbra, na margem da Estrada de Ferro de Bragança. Nesse ano, a garagem náutica do clube passou a funcionar em um prédio localizado no Boulevard da República, número 79 (atual Av. Boulevard Castilho França). Nessa época, o patrimônio azulino já contava com nove embarcações, entre elas, um out-riggers a 4 remos e um outro out-riggers a 2 remos, ambos importados da Alemanha.

EXTINÇÃO E REORGANIZAÇÃO

Em 1908, o Grupo do Remo passou por uma grande crise, que culminou na sua extinção. Os motivos não são muito claros, mas provavelmente tem relação com a finalização do contrato de aluguel da sede náutica e a realização de um acordo secreto de alguns dirigentes azulinos com o Sport Club do Pará. Fato é que em 14/02/1908, em reunião da Assembléia Geral, o desembargador Alfredo Barradas decretou o Grupo do Remo oficialmente extinto, conforme informa a nota do jornal Folha do Norte, seção Ineditoriais, de 29/03/1908:

"GRUPO DO REMO — Em virtude de deliberação da assembléia geral realizada a 14 de fevereiro último, a diretoria faz ciente a quem interessar possa fica extinto este e que seus associados fizeram acordo com o Esporte Clube do Pará. A diretoria julga nada dever a pessoa alguma; convida, no entanto, quem se julgar seu credor, a apresentar suas contas até o dia 2 de abril próximo, no prédio nº 95, à Rua 13 de Maio, a fim de serem conferidas e pagas. Belém, 28 de março de 1908 — A DIRETORIA".

Uma minoria dos integrantes foi contra a decisão e resolveram "roubar" os barcos que pertenciam ao clube, para que “não caíssem em mãos estranhas”, escondendo-os em um galpão de inflamáveis em Miramar, de propriedade de Francisco Xavier Pinto, com a promessa de retornarem assim que reestruturassem novamente o Grupo do Remo. Reuniões se sucederam, sempre tendo como ponto de encontro o tradicional Café Manduca.

Certa vez, os remadores foram convidados pelo Sr. Oscar Saltão à um passeio, em duas embarcações, cujo destino era Val-de-Cans. No momento em que passavam por Miramar, Saltão sugeriu que parassem a fim de admirar os seus barcos, mas entristeceu-se ao ver o estado de abandono dos materiais para a prática da canoagem. O grande azulino então dirigiu-se aos seus companheiros e perguntou: — Vocês querem levantar o Grupo do Remo? A resposta foi unânime: — Sim! Sob o lema um por todos e todos por um, reforçaram o compromisso em providenciar a tão sonhada volta da extinta sociedade.

Foi então que no dia 15/08/1911, Oscar Saltão, Antonico Silva, Geraldo Mota (Rubilar), Jaime Lima, Cândido Jucá, Harley e Nertan Collet, Severino Poggy, Mário Araújo, Palmério Pinto e Elzeman Magalhães, constituintes do célebre Cordão dos Onze, tornaram-se os heróis da tão famosa reorganização do Grupo do Remo. As nuances desse processo foram abordadas pelos reorganizadores Elzeman Magalhães ao Estado do Pará, em 15/08/1913, e Cândido Jucá à Revista do Clube do Remo, em 31/05/1968. Sobre esse último, segue o relato:

"Éramos 11, seguimos 10 em duas embarcações da Liga Marítima Brasileira, da qual Saltão era o representante, e um a bordo de uma lancha cedida por Mr. Kup, chefe do tráfego da extinta Porto of Pará, a fim de rebocar as embarcações do extinto Clube do Remo para Belém. Partimos de Belém e em cerca de 8 horas estávamos em Miramar, onde fomos recebidos por Chico Xavier, um português amigo, que nos fez o grande favor de manter, sob sua guarda, o patrimônio que íamos buscar. Eram 7 horas da noite quando deixamos a garage com as embarcações devidamente arrumadas".

Placa exposta na sede social em homenagem aos reorganizadores do Clube do Remo

Não demorou muito para que o Grupo do Remo voltasse a fortalecer o esporte paraense. No dia 01/09/1911, o jornal Folha do Norte informou:

GRUPO DO REMO — Devendo realizar-se em 16 de novembro próximo as regatas, e achando-se reorganizado este Grupo, convida-se os srs. Consórcios a comparecerem, a 7 de setembro, para uma reunião a tratar-se da organização das respectivas guarnições às 8 horas da manhã, na sede do Grupo, ao Largo da Sé”.

No dia 16/11/1911, o Remo conquistou o Campeonato Paraense de Regatas, o primeiro título da história do clube. Posteriormente, os azulinos conquistariam todos os títulos disputados até 1918.

O Imparcial (RJ), 14/02/1914

De acordo com a ata nº 1 da Sessão Ordinária da Diretoria, de 29/12/1911, o Sr. Oscar Saltão propôs a mudança de nome de Grupo para Clube do Remo. Entretanto, esse assunto ficou de ser melhor debatido pela Assembléia Geral em outra oportunidade. As atas das reuniões posteriores mantiveram o nome de Grupo do Remo até a de nº 24, de 03/04/1914, quando pela primeira vez foi oficialmente lavrada a nova denominação de Clube do Remo — ainda que algumas publicações da época já utilizassem essa versão. A alteração representou transição de uma equipe dedicada somente à canoagem que cresceu ao status de clube, passando a abranger outros esportes, entre eles o futebol. 

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