segunda-feira, 1 de agosto de 2022

O Heptacampeonato

CLUBE DO REMO — HEPTACAMPEÃO PARAENSE EM 1913/14/15/16/17/18/19

Pode-se afirmar, sem dúvida alguma, que o futebol do Clube do Remo já nasceu glorioso. A sua introdução no quadro esportivo azulino em 1913 se deu em um contexto de reestruturação do Campeonato Paraense, que voltaria a ser disputado naquela temporada após dois anos, graças à criação da Liga Paraense de Foot-Ball. E logo na sua primeira participação, o "football team" do Grupo do Remo, formado por "sportmen" já acostumados com as vitórias nas águas, sagrou-se pela primeira vez campeão paraense. Mas não parou por aí: soberano em todos os aspectos, o Remo emplacou o heptacampeonato, a maior sequência de títulos da história do Campeonato Paraense de Futebol.

1914 — BICAMPEÃO 

Estado do Pará, 24/01/1915

O campeonato de 1914 adotou uma fórmula de disputa que se perpetuaria, sendo organizada em duas fases. Na primeira ("turno"), os participantes se enfrentavam jogos de "ida", sendo que aqueles que somassem mais pontos — geralmente os quatro melhores —, classificavam-se para a segunda fase ("returno"), disputada da mesma forma, na qual o primeiro colocado seria coroado com o título. Eventualmente, em caso de igualdade de pontos, uma partida decisiva extra poderia ser necessária.

O Remo começaria a sua defesa pelo título de campeão paraense no dia 14/06/1914. O adversário azulino era nada menos que o seu futuro rival, o Paysandu, fundado em fevereiro daquele ano por ex-integrantes do Norte Club inconformados com os acontecimentos da temporada anterior. Aquela ocasião também marcava a inauguração do estádio da firma Ferreira & Comandita (atual Curuzu), que passou a ser o principal local de jogos. O primeiro Re-Pa da história terminou com vitória remista por 2 a 1, gols de Antonico e Bayma (contra).

No decorrer do turno, o Remo ainda venceu o União, o Guarany, o Aliança, o Brasil e o Ypiranga, além de um resultado desconhecido contra o Panther, que presume-se ter sido um triunfo azulino. Além do Remo, classificaram-se para a etapa seguinte o União, o Paysandu e o Panther.

No returno, o Remo voltou a vencer o Paysandu, dessa vez por 3 a 1, em 06/12/1914, com um hat-trick de Antonico. Apesar de ser a estreia de ambos no returno, esse jogo foi tratado como o decisivo para o título de campeão. No fim das contas, acabou sendo mesmo, pois, posteriormente, em reunião realizada no dia 16/12/1914, a Liga resolveu anular os jogos Panther x União (29/11) e União x Paysandu (12/12), cada um com as suas irregularidades específicas. Diante dessa decisão, tanto o Paysandu, quanto o Panther, abandonaram a disputa. O jogo restante, entre Remo e União chegou a ser anunciado para o Natal daquele ano, mas não se sabe se chegou a realmente ocorrer. 

A única certeza era: Remo, Bicampeão Paraense!

Estado do Pará, de 05/12/1914, se reportando ao Re-Pa do dia seguinte que decidiria o campeonato

1915 — TRICAMPEÃO

"Time do Clube do Remo, já vitorioso desde 1915". A História do Clube do Remo, de Ernesto Cruz, 1969

O ano de 1915 fomenta a rivalidade entre Remo e Paysandu. Além de perder a sua invencibilidade em clássicos, o Remo decidiu romper as relações amigáveis que mantinha com os bicolores, após ser destratado por eles, em um ofício-resposta a um convite azulino para um "match-desafio" no mês de fevereiro. Esse fato contribuiu para que a "rixa" entre os clubes, que já eram considerados os principais da cidade e disputavam a preferência clubística dos belenenses, ficasse ainda mais acirrada.

Coincidentemente, o jogo de abertura do Campeonato Paraense daquele foi justamente o Re-Pa, no dia 03/05/1915. Mesmo com o Paysandu considerado mais forte tecnicamente naquele momento, o Remo conseguiu segurar o empate contra o rival. Esse resultado foi essencial, pois poderia representar um desequilíbrio mais à frente. Afinal, os outros participantes da competição — União Sportiva, Panther, Guarany e Brasil — não forneceram perigo algum a Remo e Paysandu, de tal forma que ambos venceram todos os seus jogos subsequentes.

Todavia, quase que essa sequência de vitórias não se concretiza. No quarto jogo do turno, em 01/08/1915, o Remo venceu o Brasil por 1 a 0, porém, no dia 04/09, a Liga resolveu anular esse resultado, conferindo empate para ambos. O Remo ameaçou desfiliar-se da Liga. Em gesto nobre, o Brasil abriu mão da decisão, sugerindo a remarcação do jogo, que assim se sucedeu no dia 07/11. Dessa vez, o placar não deixou dúvidas: Remo 9 x 0 Brasil. Curiosamente, os azulinos já vinham de dois 9 x 0 seguidos, contra Guarany e União Sportiva.

Ao chegar na fase derradeira, azulinos e bicolores apresentavam campanhas praticamente idênticas — sete vitórias e um empate, com vantagem do Paysandu no saldo de gols. Assim, no último e decisivo jogo, o Re-Pa do dia 19/12/1915, nada mais interessava ao Remo se não a vitória. Diante de um grande público, que lotou as dependências do estádio da firma Ferreira & Comandita, o Clube do Remo foi taticamente perfeito e muito superior ao rival, sabendo aproveitar as suas fragilidades. Assim se construiu um verdadeiro massacre azulino: 5 a 1 e o primeiro Tri da história!

Estado do Pará, 20/12/1915

O mais curioso disso tudo é que, apesar de todos os acontecimentos anteriores, os bicolores resolveram participar da carreata comemorativa ao título azulino, um fato impensável nos dias atuais. Essa atitude talvez possa ser interpretada como um pedido de desculpas, como relatou a Folha do Norte, de 20/12/1915: 

“(...) acompanhavam-nos os valentes rapazes do Paysandu Sport Club. Registramos o fato com muita satisfação por vermos que neste momento importante para o Pará desportivo, os nossos foot-ballers num congraçamento feliz, dão trégua a pequenos ressentimentos pessoais e, vendo o progresso do esporte, pugnam unidos pelo bom nome de nossa terra”.

1916 — TETRACAMPEÃO 

No início da temporada, o Clube do Remo disputa seu primeiro jogo de caráter interestadual. Porém, a busca pelo tetra se inicia apenas em 21 de maio de 1916 com impiedosos 5 a 0 no Aliança, seguido de um 2 a 0 sobre o Panther. Depois, os azulinos - até então invictos em jogos oficiais - conheceriam a sua primeira derrota: 1 a 2 diante do União Sportiva, no dia 9 de julho, sendo que o Remo ainda teve um pênalti desperdiçado por Armindo. Mas a recuperação foi avassaladora, com goleadas sobre o Guarany (5 a 0), Aliança (5 a 1) e a vingança contra União (7 a 0). A campanha do quarto título consecutivo se encerrou com as vitórias de 3 a 0 sobre o Guarany e 1 a 0 sobre o Panther.

Como se observa, o Clube do Remo conquistou o primeiro tetracampeonato da história do futebol paraense sem ter jogado contra o seu maior rival, o Paysandu. Isso se deu porque o clube bicolor resolveu abandonar o campeonato por divergências com a Liga Paraense de Foot-Ball (LPF). Como forma de reconciliação, a LPF criou a taça Lauro Muller, a ser disputada entre Remo e Paysandu, no dia 15 de outubro de 1916. A ocasião contou até com a presença do Governador do Estado na época, o sr. Éneas Martins. É óbvio que o ano não poderia acabar sem um triunfo remista no Re-Pa. Demonstrando a sua autoridade de campeão, o Remo venceu por 3 a 0.

Estado do Pará, 16 de outubro de 1916

1917 — PENTACAMPEÃO

Após uma intertemporada de descobrimento de outras terras, com excursões a São Luís (MA) - a primeira interestadual da história azulina - e Recife (PE) - onde conquistou um troféu relativo ao Centenário da Revolução Pernambucana de 1817 -, o Clube do Remo voltava as suas atenções para manter a hegemonia na sua. No dia 1° de julho de 1917, os azulinos estrearam no Campeonato Paraense vencendo o União Sportiva com por 3 a 0. Ainda nesse período, faria mais dois jogos: 3 a 3 com o Paysandu e impressionantes 13 a 0 sobre o Fênix. Mas o grande momento do clube viria no mês seguinte.

Em 15 de agosto de 1917, quando completava seis anos de Reorganização, o Clube do Remo inaugurou o seu "campo de sports" - futuro estádio Evandro Almeida, o Baenão. Na ocasião, foi disputado um jogo entre a Seleção da Liga Paraense de Esportes Terrestres (LPET) e o time da Reserva Naval. O primeiro jogo do Clube do Remo em seu estádio só ocorreria em 2 de setembro de 1917, quando venceu o Panther Club por 3 a 1. Antes, os azulinos já haviam vencido o Fênix Sport Club por 5 a 3 no dia 19 de agosto, mas ainda no campo da empresa Ferreira & Comandita. 

Na sua nova casa, o Remo não perdeu mais, aplicando 6 a 0 no União Sportiva, 3 a 1 no Brasil Sport-Club e 6 a 1 no Nacional – antigo Panther, que mudou seu nome no dia 18 de outubro daquele ano –; e empatando em 1 a 1 com o Paysandu no domingo de Círio (14 de outubro). Curiosamente, apenas a goleada de 9 a 0 sobre o Fênix, em 28 de outubro, e o jogo que garantiu o pentacampeonato não foi no estádio azulino: Remo 3 a 1 Paysandu, em 16 de dezembro de 1917, na Ferreira & Comandita, gols de Dudu, Chermont e Rubilar.

Estado do Pará, 16 de dezembro de 1917

1918 — HEXACAMPEÃO 

O Campeonato Paraense de 1918 correu o risco de não ter um desfecho. O motivo foi a disseminação vírus influenza H1N1, causador da Gripe Espanhola, pandemia que gerou milhões de mortes no mundo inteiro. Apesar do nome, sugere-se que a gripe tenha iniciado entre as tropas britânicas situadas na França em fins da Primeira Guerra Mundial ou até mesmo nos Estados Unidos. De qualquer forma, a pandemia chegou ao Brasil pelo Nordeste em setembro de 1918 através do navio inglês “Demerara",  se propagando para a capital paraense. 

Como consequência, no intuito de evitar a propagação do vírus, o campeonato teve que ser paralisado entre outubro e novembro de 1918. Até aquele momento, o Clube do Remo já havia disputado seis jogos. Estreou goleando o Luso Brasileiro por 10 a 0 no dia 3 de maio. Em seguida, empatou com o Brasil em 1 a 1 e emplacou uma sequência de vitórias – 8 a 0 no Nacional, 4 a 2 no Paysandu, 4 a 2 no União Sportiva e 8 a 0 no Luso Brasileiro, em 6 de outubro, o último jogo antes da paralisação.

Estado do Pará, 24 de novembro de 1918

No dia 24 de novembro, o Estado do Pará anunciou o reinício do campeonato com os jogos Remo x União Sportiva e Paysandu x Brasil Sport, mas não se tem notícia posterior do placar dessas partidas nem mesmo a comprovação se ambas foram realizadas. Caso a “pugna" realmente tenha acontecido, presume-se que tenha sido vencida pelos azulinos, já que, segundo o mesmo jornal, o jogo seguinte, entre Remo e Paysandu, no dia 15 de dezembro, no Baenão, era o “encontro decisivo do campeonato". 

Estado do Pará, 15 de dezembro de 1918

Conta ainda Estado que o Remo possuía um ponto acima do Paysandu na tabela. Considerando-se que uma vitória valia dois pontos e o empate, um; que o time bicolor havia perdido apenas um jogo – contra o próprio Remo – e vencido todos os outros; e que o Remo já havia empatado antes contra o União em 1 a 1; o resultado mais provável para o jogo do dia 24 de novembro seria a vitória azulina. 

De todo modo, o que interessa mesmo é a “final". Pela posição privilegiada, o Estado do Pará ressaltou que “mesmo um empate dará mais uma vez o glorioso título ao conjucto azulino". E foi o que aconteceu. Da forma mais pragmática possível, um empate seco, sem gols, proporcionou o hexacampeonato de futebol, uma façanha que nenhuma outra agremiação na centenária história do Campeonato Paraense conseguiu. E essa conquista é ainda mais especial, pois foi a primeira das muitas obtidas no solo azulino do Baenão.

1919 — HEPTACAMPEÃO 

O Remo já havia conquistado aquilo que nenhum outro time paraense conseguiria. Mas ainda não era suficiente. E foi essa gana que resultou na conquista do sétimo título estadual consecutivo em 1919, o inigualável heptacampeonato, o estabelecimento definitivo do Reinado Azul, que se estenderia ao longo de todas as décadas posteriores. Além disso, a consagração para eternidade dos primeiros heróis azulinos, que tem nas pessoas do inabalável defensor Lulu e do polivalente atleta Rubilar, os únicos presentes em toda essa caminhada vitoriosa, as suas mais gloriosas e celebradas figuras.

Apesar de todo o peso e importância desse feito, ironicamente as informações acerca da jornada vitoriosa são incompletas. Sabe-se que o Clube do Remo iniciou a sua campanha no dia 1° de junho de 1919, da melhor forma possível: 12 a 1 no Luso-Brasileiro. Prosseguiu com vitórias de 5 a 1 sobre o Nacional, 2 a 1 sobre o Paysandu e 4 a 0 sobre o União, sendo que o Re-Pa, disputado em 6 de julho, foi bastante tumultuado, contando com a expulsão do bicolor Suíço e o abandono do seu time de campo – um costume antigo.

Porém, a partida que fechou o turno contra o Brasil Sport, além dos jogos do returno contra Luso-Brasileiro e Nacional, infelizmente, não tem seus resultados conhecidos. Mas o jogo seguinte, o Re-Pa de 5 de outubro, sim. Dessa vez os bicolores não fugiram de campo... Preferiram nem comparecer, tendo notificado a decisão à LPET no dia anterior. O Remo então venceu por WO e manteve o tabu de sete anos sem derrotas em Re-Pa's oficiais. Depois ainda triunfou sobre o União Sportiva por 4 a 0 e sobre o Brasil Sport por 2 a 1, finalizando a sua campanha já em 4 de janeiro de 1920.

Tabela veiculada pelo Estado do Pará, de 5 de outubro de 1919, que até então o Remo jamais havia perdido um Re-Pa oficial, válido pelo Campeonato Paraense

Com base nisso, presume-se que o Remo tenha conquistado o título por possuir maior número de pontos, já que, dos jogos comprovados, os azulinos venceram todos e o seu principal rival, o Paysandu, não mostrou poder de competividade. Notícias posteriores se referem ao Remo como o campeão daquele ano. Inclusive, a conceituada revista carioca Vida Sportiva, na sua edição de número 138, de 17 de abril de 1920, estampou o Esquadrão Azulino em sua capa com a seguinte legenda: “Team do Club do Remo, de Belém, Pará, que é o campeão do norte do Brasil".