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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

O Início no Futebol Azulino

Fundado como uma equipe de regatas em 1905 – daí a óbvia origem do nome –, o Remo só ingressou no futebol em 1913, como parte do processo de desenvolvimento esportivo da agremiação, iniciada com a Reorganização de 1911. O responsável por essa empreitada foi Antonio Ribeiro da Silva, o Antonico, que, juntamente com outros elementos do clube, formou o Grupo do Remo Football Team (GRFT), referida nas publicações da época pela sigla GRFT. 

A menção mais antiga de um jogo do Remo foi encontrada no jornal "Estado do Pará", na seção "Chronica Sportiva", de 30/03/1913, sobre a realização de um match-desafio contra o Guarany Foot-Ball Club, transcrita a seguir, obedecendo a grafia da época: 

"Realizar-se-á hoje, ás 4 horas da tarde, no ground de São Braz, um match-desafio de foot-ball lançado pela 1ª team do Guarany Foot-ball-Club, aos rapazes da team do Grupo do Remo.

A team do Grupo do Remo é a seguinte: goal, Bernardino; backs, Eurico e Galdino; hallbacks, Imê, Bernaud e Bolonha; forwards, Robilar, Dudú C., Dudú S., Mario e Antonico".

Infelizmente, não foi possível confirmar a realização desse jogo em edições posteriores do referido jornal. Entretanto, no dia 21/04/1913, feriado nacional em homenagem à Tiradentes, Remo e Guarany voltaram a se enfrentar no Campo da Praça Floriano Peixoto, no Largo de São Brás. Todavia, o resultado desse jogo é motivo de discussão.

O historiador Ernesto Cruz, na sua obra "A História do Clube do Remo" (1969), não divulgou o resultado da partida¹, enquanto que o jornalista Ferreira da Costa, autor de mais de 15 livros sobre a história do futebol paraense, nem ao menos faz referência a essa partida. Já o memorialista e benemérito azulino, Orlando Ruffeil, cravou que o jogo havia terminado em um empate sem gols.

Porém, em pesquisas realizadas no acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, foi descoberta uma informação divergente aos dados clássicos sobre a história do futebol azulino. De acordo com nota no jornal "Estado do Pará", de 23/04/1913, intitulada "Chronica Sportiva", o Remo, na verdade, teria vencido o primeiro jogo, conforme se observa na passagem seguinte: "O correcto referee [árbitro], sr. Renato Amanajás, deu o seguinte resultado: Grupo do Remo, 2 goals [gols] e Guarany, 0" (grafia da época). 

Infelizmente, não se sabe os autores desses gols. Mas há registro das escalações dos clubes. O primeiro esquadrão azulino era formado por: Bernadino; Valrreman e Eurico; Dudú, C. Aimée e Mamede; Galdino, Mário, Antonico, Dudu e Rubilar. Já o Guarani se dispôs com Aldo; Waldemir e Joaquim; Bento (Bruno de Menezes), Americano e Pedro; Braga, Arlindo, Arthur, Ipixuna e Cunha. As equipes eram organizadas no 2-3-5 ou "Pirâmide", padrão tático da época. 

O que parece ser consenso é o jogo seguinte, disputado no dia 13/05/1913, em celebração à Abolição da Escravatura no Brasil, no mesmo local e contra o mesmo adversário. Dessa vez, o Remo goleou por 4 a 1 e coube ao lendário Rubilar, autor de dois gols, o feito de ser o primeiro jogador a balançar as redes adversárias defendendo o Remo. Segundo Ruffeil, inclusive este teria sido um gol olímpico! Antonico e Galdino completaram o placar. Naquele dia, o Remo atuou com Bernardino; Tupi e Minão; Chermont, Aimée e Mamede; Rubilar, Hugo, Antonico (capitão), Adolfo e Galdino.

O jornal “Folha do Norte", de 15/05/1913, na sua seção “Notas Sportivas" apresentou uma carta do colaborador “Violeta" sobre essa partida. Segundo a publicação, apesar da chuva torrencial que caíra momentos antes, a partida começou pontualmente às 16h30. O Remo mostrou-se superior em todas as linhas, prevalecendo sobre a tenaz resistência dos adversários, fazendo três gols logo no primeiro tempo. Já no segundo, os azulinos ampliaram, com o Guarany diminuindo a contagem. A nota finaliza da seguinte forma: 

"É-me grato registrar que o campo se achava devidamente cercado e marcado de accordo com as regras do jogo britannico, e mais ainda que os jogadores mostraram-se verdadeiros ‘sportmen’ [jogadores] obedecendo fielmente às decisões do referee, não havendo, durante o jogo um ‘foul’ [falta] sequer”.

O PAI DO FUTEBOL AZULINO

Em 15/08/1930, quando o Clube do Remo completou 19 anos de Reorganização, o jornal carioca "Correio da Manhã" publicou uma matéria especial sobre o acontecimento. Segundo a notícia - desconsiderando alguns erros de data -, o grande idealizador do futebol azulino foi Antonio Ribeiro da Silva, o Antonico, "excelente 'center-forward'" e "ardoroso cultor do jogo bretão". Ele "organizou com elementos do Club uma equipe a que dominou de Remo Football Team, resultando daí a fundação da Liga Paraense de Football e a animação e enthusiasmo pelo exercício desse sport, até então pouco propagado em Belém".

Ao que tudo indica, essa informação é um fato. Afinal, Antonico esteve presente nas primeiras escalações remistas, sendo reportado como o capitão da equipe. Ele foi o autor do primeiro gol azulino na história do Campeonato Paraense, na vitória de 4 x 1 sobre o União Sportiva, em 14/07/1913.

O GUARANY

Primeiro adversário do Clube do Remo no futebol, o Guarany já praticava esse esporte desde 1911 pelo menos. O time rubro-azul foi regular frequentador do Campeonato Paraense até por volta dos anos 30. Mas apesar dessa experiência, nunca foi um adversário à altura do Remo. Segundo dados do pesquisador Jorginho Neves - e considerando o primeiro jogo como vitória azulina, os remistas triunfaram todos os 18 jogos travados contra os "guaranymen". 

O PRIMEIRO "MATCH" ILUSTRADO

Ilustração: @design.ade (Instagram)

A primeira vez em que o Remo entraria em campo mudaria para sempre os rumos do futebol paraense. Porém, apesar de toda a sua sua importância, essa partida não foi eternizada através de um registro fotográfico - um luxo na época. Pensando nisso, a Enciclopédia do Leão em parceria com a Cultura de Remo (intagram: @culturaderemo/@design.ade) decidiu "recriar" um lance daquela peleja pioneira em um inédito desenho ilustrativo.

Esse trabalho é o resultado de árduas pesquisas nas coleções do jornal "O Estado do Pará" no site da Hemeroteca da BN. O maior desafio foi a representação dos jogadores, em especial dos "guaranymen". Após várias citações acerca das cores do clube, como "azul turquesa e vermelho" e "rubro-azul", encontrou-se a informação que descrevia em detalhes o uniforme do Guarany, na edição 823 do "Estado", de 13/07/1913, sobre a partida deste contra o Belém Sport: "camisas azul e encarnado, com listras verticais; calções brancos".

Ilustração: @design.ade (Instagram)

Quanto aos atletas azulinos, sabe-se através de relatos do historiador Ernesto Cruz, em seu livro "História do Clube do Remo" (1969), que o Remo disputava jogos-treinos com uma camisa listrada horizontalmente em azul-marinho e branco, estilo "marinheiro", (famosa camisa bretã), herança da náutica remista. Porém, não tem como afirmar se a mesma era usada em partidas oficiais/amistosos ou se os atletas já envergavam o tradicional manto azul-marinho (por isso a necessidade de duas ilustrações).

Por fim, o cenário da partida - a Praça Floriano Peixoto, correspondente ao largo de São Brás - traz elementos característicos da época: a arborização, fruto do processo de urbanização da cidade de Belém; a imponente caixa d'água com seus 20 metros de altura de puro ferro europeu; e a locomotiva da Estação Central, o início da Estrada de Ferro Belém-Bragança. Em conjunto, tornam o desenho o mais próximo possível da realidade, facilitando a imersão na época representada.

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