domingo, 27 de agosto de 2023

A Crise de 1937 e os Primeiros Passos para o Profissionalismo

Na temporada de 1937 o Clube do Remo desfiliou-se da Liga Atlética Paraense — LAP. Tudo começou em meados de janeiro, após a LAP anular o jogo contra a Tuna de 13/12/1936 e retirar os pontos contra o Luso Brasileiro de 27/12/1936. Os azulinos ainda conseguiram reverter essa segunda situação, mas a decisão contra a Tuna permaneceu. O Remo até chegaria a recorrer à Confederação Brasileira de Desportos — CBD —, mas a entidade desprezou a causa regional, como diziam os periódicos da época.

O conturbado futebol paraense mergulhou em nova crise. As sessões da LAP foram marcadas por muita confusão. A "Folha do Norte", de 07/01/1937, divulgou uma entrevista com o Dr. Sousa Filho, presidente do Paysandu, que destacou a invasão de vários azulinos na sede da Liga, entoando gritos como "abaixo a Tuna!" e "morra o Paysandu!". A polícia teve que intervir para fazer a evacuação do local.

Enquanto corria todo esse imbróglio, o campeonato de 1936 continuou sendo disputado em seu estágio derradeiro. Quis o destino que Remo e Tuna chegassem ao jogo final, em 07/03/1937, em igualdade de pontos (15), atrás apenas do Paysandu na tabela (16). Uma vitória para cada um dos lados significaria a conquista do título; empate forçaria uma disputa posterior entre os três rivais. Felizmente, com gols de Evandro do Carmo, Vevé e Bendelack, o Leão, que chegou a estar perdendo por 2 a 0, virou e sacramentou o título.

Nota do Clube do Remo na "Folha do Norte" antes da decisão do Campeonato de 1936 contra a Tuna, anunciando que se desligaria da LAP independente do resultado.

Em que pese toda a felicidade da torcida azulina no Baenão, em clássico que levou uma "verdadeira massa humana", "lembrando os áureos tempos" do futebol paraense, logo em seguida o Clube do Remo definiu a sua desfiliação da LAP. A decisão ganhou repercussão nacional, inclusive da imprensa carioca. Como consequência esportiva, a Liga optou por não conceder o título no campeonato de vôlei, do qual o Remo era líder, dando-o ao Júlio César.

É importante destacar que naquele momento — anos 30 — o futebol brasileiro iniciava o processo de profissionalização. Como a CBD ainda era relutante em deixar de lado formalmente o amadorismo e centralizava todos os esportes, surgiu um movimento de criação de ligas específicas para cada modalidade esportiva, que nos jornais paraenses eram chamadas de "Especializadas", destacando-se a Federação Brasileira de Futebol — FBF —, defensora do profissionalismo. Com o desligamento da LAP e, por tabela, da CBD, o Clube do Remo, na pessoa do capitão Ruy Bello, solicitou a sua inscrição nas especializadas brasileiras, começando pelo futebol e basquete.

"Folha do Norte".

Localmente, o Remo fez parte da criação da Liga Paraense de Futebol — LPF —, filiada à FBF, que atuou em paralelo à LAP, sendo presidida pelo desportista Oswaldo Ribas. Esse processo era visto em outros estados, principalmente no Rio de Janeiro, com as conflitantes Liga Carioca de Football — LCF (FBF) — e a Federação Metropolitana de Desportos — FMD (CBF). No Pará, a LPF organizou suas próprias competições futebolísticas, tendo como campo oficial o Baenão. Foi colocado em disputa o Torneio Início, vencido pelo Leão, e o Torneio Aberto Paraense, que ficaria na posse do Marco. Além dos já citados campeões, esses torneios tiveram como participantes: Aduaneiro, Amazon River, Aviação, Belém, Liga de Sports da Marinha, Port of Pará, Saúde e Viação.

A campanha do Clube do Remo, campeão do Torneio Início da LPF ("Folha do Norte").

Porém, em meados do segundo semestre de 1937, o Clube do Remo, através do seu presidente, Dr. Eugênio Soares, iniciou conversas com os representantes "lapeanos" em prol da pacificação do futebol paraense. Houve até uma proposta de organização dos esportes, ficando a LPF responsável pelo futebol, enquanto que a LAP com as demais modalidades, sendo que cada entidade permaneceria filiada à sua instituição nacional — FBF e CBD, respectivamente. Essa ideia, à priori, não foi para frente.

O próprio Clube do Remo iniciou o movimento em prol da pacificação ("Folha do Norte").

O desfecho de tudo isso só se daria no ano seguinte, como um continuum do processo que se iniciara no Rio de Janeiro em julho de 1937 e chegaria a nível federal, no qual a FBF gerenciaria o futebol brasileiro, estando filiada à CBF. Em fevereiro de 1938, a FBF enviou o seu representante, Dr. Antônio Autran, para tratar da pacificação do futebol paraense. Ele presidiu a reunião que contou com representantes do Governo Federal e da Prefeitura, da 8ª Região Militar, da CBD, da LAP, da LPF e do Clube do Remo, o presidente Dr. Adriano Guimarães.

"Folha do Norte".

Registro do momento de criação da APF ("Folha do Norte").

Desse encontro, surgiu a Associação Paraense de Futebol — APF, filiada à FBF, fundada em 09/02/1938. Fizeram parte da novel entidade, os "especializados" Remo, Marco, Amazon River e Aduaneiro; os "lapeanos" Paysandu, Tuna, União Sportiva, Júlio César e Nacional; além de clubes do Conselho Suburbano. Orlando Moraes, representante da Prefeitura, sugeriu a disputa da "Taça da Paz" como o primeiro campeonato da APF.

A Taça da Paz ("Folha do Norte").

A Taça da Paz consistiu em uma disputa entre Remo e Paysandu, promovida pela Importadora de Ferragens S. A. O primeiro jogo ocorreu na Curuzu, no dia 27/03/1938, que terminou empatado em 1 a 1, gol remista marcado por Trindade. O segundo, no dia 03/04/1938, foi um passeio azulino no Baenão: 5 a 1, gols de Vevé (2), Viveiros (2) e Bendelack, ficando o Filho da Glória e do Triunfo de posse do troféu que simbolizou a pacificação do futebol paraense. Curiosamente, essa foi também a primeira partida com transmissão via rádio, pela PRC-5.

Estavam dados os primeiros passos rumo ao profissionalismo...

O Clube do Remo vencedor da Taça da Paz ("Folha do Norte").


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