terça-feira, 14 de junho de 2022

Campeão Norte-Nordeste em 1971

CLUBE DO REMO — CAMPEÃO DO NORTE-NORDESTE EM 1971
Em pé: Manolo, Odir Neves, Dário, Jorge Dahas, Jorge de Castro, Edair, Ernani, François, Cuca, Dico, Alcyr Braga, Jorge Mendonça, Jorge Matos, Valdemar, Alcino, Mesquita, Lúcio Oliveira, Jorge Kzan e Osvaldo Trindade. Agachados: Durval, Sabá, Sirotheau, Jeremias, Tindô, Chico, Tuica, Elias, Robilotta, Cabecinha, mascote Acácio, Neves, Carlitinho, ? e Edilson

O Remo já havia se tornado a maior potência nortista. Mas ainda faltava romper de vez as fronteiras regionais. Faltava o Norte-Nordeste que por duas vezes escapara das garras do Leão no passado. Felizmente, o Rei da Amazônia teria uma nova oportunidade para fazer essa reparação histórica. Porém, diferente das edições anteriores, em 1971 o "Nordestão" ganharia um novo status. Faria parte de algo maior, do primeiro Campeonato Brasileiro propriamente dito. 

Isso se deve porque nesse ano, a Confederação Brasileira de Desportos — CBD — instituiu o denominado Campeonato Nacional de Futebol Profissional, que fora dividido em Divisão Extra e Primeira Divisão, equivalentes às Séries A e B, respectivamente. O "Copão", como seria conhecido popularmente, foi um marco no processo de desenvolvimento e integração do principal esporte do país, todavia os privilégios inerentes ao "Robertão"/Taça de Prata perpetuaram. Para a Divisão Extra, a CBD emitiu cinco convites para São Paulo, cinco para Guanabara (Rio de Janeiro), três de Minas Gerais, dois do Rio Grande do Sul, dois de Pernambuco e um para Bahia, Paraná e Ceará.

Já a Primeira Divisão foi esquematizada em duas regiões — Norte-Nordeste e Centro-Sul — cujos campeões disputariam o título brasileiro. A escolha dos participantes ficaria a cargo das federações, podendo utilizar os campeonatos estaduais ou torneios específicos. É neste caso que se enquadra o Pará. A Federação Paraense de Desportos — FPD — criou um Torneio Seletivo, cujos participantes foram definidos de acordo com a posição no campeonato estadual de 1970: Tuna, Paysandu, Remo e Sport Belém, respectivamente.

Folha Vespertina, 16/10/1971

Após seis aguerridos jogos em turno e returno, o Remo obteve três vitórias, dois empates e apenas uma derrota, totalizando oito pontos, a mesma pontuação da Tuna. Entretanto, o Leão ficou com o primeiro lugar pelo saldo de gols (seis gols contra quatro dos tunantes), graças à vitória de 2 a 0 sobre o Paysandu, em 17/11/1971, no último jogo do torneio, com tentos de Robilotta aos 23' do primeiro tempo após cobrança de escanteio, e Jeremias aos 32', aproveitando a desorganização da defesa adversária, especialmente do bicolor Abel. 

Assim, o Mais Querido ganhou o direito de representar o Pará no Campeonato Nacional, feito destacado pela A Província do Pará, de 18/11/1971: "REMO NO COPÃO POR GOAL-AVERAGE — O Clube do Remo é o representante do Pará nas semifinais do Campeonato da 1ª Divisão do Nacional, diante da classificação por 'goal-average', pois acabou em igualdade de situação com a Tuna: 4 pontos perdidos e 8 pontos ganhos. O Leão Azul ganhou tal condição diante de sua vitória muito justa e merecida ontem à noite sôbre o Paissandu, na última peleja do Torneio Classificatório".

Lance da vitória do Clube do Remo sobre o Paysandu que classificou o Leão Azul para o "Copão" e deixou o rival sem divisão em 1971 (A Província do Pará)

TRICAMPEÃO DO NORTE

Folha Vespertina, 29/11/1971

Em seguida, o Mais Querido teve pela frente a Associação Atlética Rodoviária, vice-campeã do Amazonas e indicada pela federação local para disputar o "Copão".  A partir desse ponto, todos os confrontos seriam eliminatórios – “mata-matas” – e, através de um acordo entre as partes, os jogos ocorreram no Baenão. No primeiro embate, dia 25 de novembro, o Remo foi avassalador, mas cansou de perder chances e pecou pelo cansaço de seus jogadores. A vitória magra de 1 a 0, que não traduz bem o que foi a partida, veio através do gol de Carlitinho, aproveitando uma bola escorada por Alcino.

No segundo jogo, três dias depois, a Rodoviária jogou com o seu goleiro reserva De Sica, que entrou no lugar de Clóvis, destaque amazonense da partida anterior. Mesmo não apresentando um primor de futebol, o Leão pressionou desde o início, mas foram os amazonenses que abriram o placar. Mas os azulinos fizeram valer a sua superioridade técnica e tática, reagindo com o gol de Tito, craque do jogo, de fora da área. Logo o Remo fez 3 a 1. A Rodoviária ainda diminuiu, entretanto, a vitória por 4 a 2 concretizou-se com o tento contrário do zagueiro Torres, após pressão de Alcino.

Pela terceira vez, o Remo colocava o futebol paraense no topo da região, como fora enfatizado pela Folha Vespertina do dia 29: "PARÁ CAMPEÃO DO NORTE — Depois de passar um drama no primeiro tempo, quando a Rodoviária abriu a contagem, aos 5 minutos por intermédio de Paulo Borges, marcador que permaneceu até os 5 minutos da segunda fase o Clube do Remo encontrou o caminho do goal, empatando a partida e saíram para a goleada os azulinos garantiram o título da região Norte e agora partem para os jogos contra o Itabaiana, de Sergipe".

Momento de um dos gols da goleada azulina por 4 a 2 (A Província do Pará, 30/11/1971)

CAMPEÃO DO NORTE-NORDESTE 

No prosseguimento da competição, o adversário azulino foi a Associação Olímpica de Itabaiana, de Sergipe, campeã do Nordeste e líder do campeonato estadual. O Tremendão, como era conhecido, fez excelente campanha no certame, superando seus os rivais locais — Sergipe e Confiança —, além de Náutico-PE, CRB-AL, Ferroviário-CE e Flamengo-PI. 

Assim como na final do Campeonato do Norte, a diretoria remista tentou transferir o primeiro jogo, a ser disputado em Aracaju (SE), para o Baenão, mas os representantes do Itabaiana não aceitaram a proposta, mantendo o local da partida. Dessa forma, o jogo de ida da final inter-regional ocorreu no estádio Batistão, no dia 05/11/1971. Curiosamente, o Remo seria o primeiro time paraense a jogar no estádio.

Os tricampeões do Norte desembarcando em Aracaju (SE) para o primeiro jogo da final do Norte-Nordeste (Gazeta de Sergipe, 05/12/1971/Cortesia de Matheus Lima)

Cena do primeiro jogo da grande final (Diário de Sergipe, 07/12/1971/Cortesia de Matheus Lima)

O Leão chegou a Sergipe desfalcado de duas peças importantes: Alcino e Jeremias, que encontravam-se embriagados e sem o paletó oficial do clube. Corretamente, François resolveu barrar os jogadores ainda no aeroporto. Mas não era só isso: Valdemar foi impedido de jogar pela “Lei do Cão”, Edair teve uma distensão muscular às vésperas do embarque e Robilotta estava “tresnoitado”. Mesmo com esses problemas, o Remo conseguiu segurar um heróico empate sem gols, fora de casa. 

A Província do Pará, 07/11/1971

O time do Leão que jogou em Aracaju (A Província do Pará, 07/11/1971)

No jogo de volta da finalíssima, no dia 08/12/1971, o grande apelo pela conquista do título inédito, após bater na trave duas vezes (1968 e 1969), motivou a torcida azulina, que lotou as dependências do ainda acanhado Baenão. Na ocasião, o Remo pôde contar com Alcino e Jeremias, após ambos terem sido multados em 60% dos seus salários e pedirem publicamente desculpas a François. Alcino já vinha com uma rixa de longa data com o treinador e, talvez por isso, começou o jogo no banco de reservas.

Por ironia do destino, esses atletas que foram punidos no confronto de ida, tornariam-se personagens fundamentais para a glória azulina. Após um primeiro tempo equilibrado, a segunda etapa ganhava ares de tensão, especialmente porque o Itabaiana chegava com maior perigo ao gol remista. O clamor da torcida fez com que François colocasse Alcino para o jogo, mudando o cenário. Aos 15’, após boa jogada de Jeremias, o gigante deu lindo passe para Robilotta abrir o placar a favor do Leão. Aos 37’, eles repetiram a façanha, que culminou com mais um gol marcado por Robilotta, em grande noite.

Com os 2 a 0 assegurados, foi só esperar o apito final para a consagração do Filho da Glória e do Triunfo. Uma grande festa tomou as ruas de Belém e os torcedores vibraram pela grande conquista. O Remo tornara-se campeão Norte-Nordeste, título condecorado pela CBD. O fato é que aquela conquista era a maior que um clube do Norte do Brasil poderia obter até então e, mesmo que muitos não aceitem, elevou o futebol paraense a novos patamares, pois, após anos de intensas lutas, finalmente um clube do Norte conquistava também o Nordeste. 

A Província do Pará, de 10/12/1971, evidenciando a emocionante conquista do Clube do Remo. Na imagem, um dos gols anotados por Robilotta

As emocionantes palavras d'A Província do Pará, de 10/12/1971, traduzem toda a importância e magnitude da conquista:

"REMO: NERVOS, LÁGRIMAS E ALEGRIA — Contar o que houve, em notícia sêca, não tem mais sentido. Toda cidade viu ou ouviu os dois a zero que deram ao Remo o vice-nacional da primeira divisão, o norte-nordeste há dez anos não conquistado. Todo mundo se emocionou quando Alcino, chorando, festejava o gol da vitória. Todo mundo vibrou quando, depois do jôgo, François entrava em campo, definitivamente consagrando como treinador. Todo mundo sabe que o primeiro gol do Remo foi aos 15 minutos do segundo tempo, numa jogada que começou com Jeremias, emendou num lindo passe de Alcino e culminou com o petardo de Rubilota. E quando, já nos 37’, os mesmo homens repetiram a façanha. Todos viram a luta de Neves – que bolão, seu! – de Tito – o verdadeiro leão azul em campo. Aqui vai o que poucos sabem: o desenrolar da partida do ângulo dos que estavam no banco. O nervosismo, o comando de François, que conseguiu o que poucos talvez o fizessem: de um Remo desacreditado, transformá-lo num vice-campeão nacional. Ou campeão da metade do Brasil, como querem muitos.Como um mérito: o Itabaiana lutou até o fim. Até o fim, mesmo. Vitória limpa, em jôgo corrido. Os sergipanos, quando terminou a luta, choraram muito. Porque suaram a camisa como poucos. Foram leais, e bons adversários, êles. O melhor é que a torcida soube corresponder, e os respeitou. Embora do lado de cá".

Um adendo com relação à notícia d'A Província do Pará. Considerando que o Remo havia sido duas vezes vice-campeão do Torneio Norte-Nordeste em 1968 e 1969, a passagem "o norte-nordeste há dez anos não conquistado" pode causar estranheza. Talvez a notícia faça referência também à Taça Norte, título correspondente da região Norte-Nordeste da Taça Brasil, disputada pelo Clube do Remo em 1961 e 1965 — isso sem contar o vice azulino no amistoso Torneio Hexagonal Norte-Nordeste de 1967. Portanto, o título de 1971 dava fim aos sucessivos fracassos dos clubes paraenses, que até então jamais haviam ganhado competições inter-regionais oficiais. 

Segue A Província: “Ganhando o Torneio Regional (anteontem recebeu o troféu que fez jus das mãos do presidente da FPF) por gol average, o que não deixa de ser uma vantagem àquele que sabe melhor aproveitar as chances de goal mas tendo 3 vitórias em 4 jogos contra equipes de outros Estados, o Leão Azul, anteontem, se bem que não apresentasse um futebol dinâmico e objetivo no primeiro tempo, fêz o suficiente para ser o vencedor legal, justo e merecido da partida contra o Itabaiana, campeão do Nordeste”.

Assim como fizera após o bicampeonato do Norte em 1969, em 12/12/1971 o Clube do Remo promoveu o seu festival anual no qual foram entregues as faixas simbólicas em homenagem ao título de "1º Campeão Nacional Norte-Nordeste", conquistado sobre o Itabaiana, dois dias antes. A ideia inicial era a realização de um amistoso no Baenão contra a forte Seleção Amazonense, que, quatro dias antes, havia goleado a Seleção Paraense por 7 a 1, em Manaus. O jogo seria uma espécie de tira-teima, já que o Pará não contava com os azulinos tricampeões do Norte e futuros campeões do Norte-Nordeste.

Entretanto, a Federação Amazonense de Futebol — FAF — não aceitou o desafio. O Remo convidou então o Paysandu para o evento, assim como ocorrera há dois anos atrás. Vale destacar que, apesar de toda confusão no polêmico Re-Pa da final do estadual daquele ano, os bicolores (e tunantes) haviam dado o seu apoio ao Mais Querido para a obtenção do título inter-regional, o que, mais uma vez, ressalta a importância da conquista. O resultado do festivo clássico foi um morno 0 a 0. 

No dia seguinte, o jornal O Liberal, cujo proprietário, Rômulo Maiorana, tem relações com o Paysandu, noticiou o evento com a seguinte manchete:: "FESTA DAS FAIXAS CONSAGROU CAMPEÕES DO NORTE-NORDESTE — (...) A entrega das faixas foi a consagração que faltava aos campeões do Norte e Nordeste, título que enobrece não só o Clube do Remo, mas muito honra o futebol paraense". O periódico encartou um belíssimo pôster que eternizou o momento com a foto histórica dos heróis azulinos envergando as suas faixas.

O Liberal, 13/12/1971

A DECISÃO DO BRASILEIRO

A conquista do Norte-Nordeste permitiu ao Remo disputar a final do 1º Campeonato Nacional de Clubes da Primeira Divisão, como previa o regulamento, contra o Villa Nova, de Minas Gerais, Campeão do Centro-Sul. Como cada um venceu os seus jogos, em seus respectivos domínios, uma terceira partida foi necessária para decidir o título. Esta ocorreu no estádio Independência (MG), contra a vontade dos dirigentes azulinos que queriam a final no Mineirão, já prevendo o ambiente hostil que os atletas enfrentariam. No dia do jogo, 22/12/1971, os torcedores arremessaram bagaços de laranjas e garrafas no gramado. Em meio a tanta polêmica, o Remo acabou perdendo por 2 a 1, ficando com o vice-campeonato brasileiro. 

* Esse texto foi feito graças às pesquisas de Adenirson Olivier (Cultura de Remo), Felipy Chaves (Enciclopédia do Leão) e Joaquim Rangel (Azulinos da Cidade).

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