sábado, 18 de junho de 2022

Campeão do Norte em 1968

CLUBE DO REMO — CAMPEÃO DO NORTE DE 1968
Uma das formações utilizadas na campanha do título regional

No final dos anos 60 o futebol brasileiro passou por profundas mudanças. A Taça Brasil, o "Campeonato Brasileiro" da época, já não atraía mais as atenções dos principais clubes do país, devido às suas fases regionalizadas — o que reduzia os jogos entre os times ditos “grandes”. Como consequência, em 1967 as federações carioca e paulista resolveram ampliar o Torneio Rio-São Paulo com o ingresso de times de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná. Assim, foi criado o Torneio Roberto Gomes Pedrosa — nome oficial da competição inter-regional predecessora.

Em 1968, a Confederação Brasileira de Desportos — CBD — assumiu a organização do "Robertão" — como era popularmente conhecido —, que, por força política, incluiu a participação de um time pernambucano e um baiano passou a se chamar Taça de Prata. Até esse momento, o torneio era disputado em paralelo à Taça Brasil, mas, com a extinção desta em 1968 por puro desinteresse, o "Robertão"/Taça de Prata se tornou o único "nacional" do país.

Esse cartaz que a Taça de Prata carregava era meramente simbólico, visto que a competição era monopolizado pelos times do eixo Sul-Sudeste — mesmo com a participação de alguns poucos nordestinos, casos de Bahia, Náutico-PE e Santa Cruz-PE. Entretanto, a grande maioria dos times brasileiros não foi contemplada nesse seleto grupo. Para resolver essa situação, a CBD criou competições inter-regionais: os Torneios Norte-Nordeste e Centro-Sul. 

Este último não teve muito sucesso, sendo finalizado uma única vez, em 1968, vencido pelo Grêmio Maringá-PR. Mas o mesmo não se pode dizer do Norte-Nordeste. Frequentemente apelidado de "Nordestão", o Torneio Norte-Nordeste perdurou até 1970. Em sua essência, era composto por duas disputas independentes: os Torneios do Norte e do Nordeste, reunindo os principais representantes de cada região. 

Com algumas variações nas suas fórmulas, os campeões de cada torneio fariam a final inter-regional. Mas, no caso da parte Norte, havia um porém: apenas o Pará e o Amazonas eram profissionalizados. A solução foi incluir os estados do "Meio-Norte": Piauí e Maranhão. 

Outro imbróglio se deu quanto a escolha dos participantes paraenses. Inicialmente, a CBD decidiu que apenas Bahia e Pernambuco teriam três representantes no "Nordestão", enquanto que os outros estados, incluindo o Pará, teriam duas vagas. Portanto, Remo, Paysandu e Tuna tomaram parte de um triangular classificatório para o Torneio do Norte. Porém, através da Federação Paraense de Desportos — FPD — o "Trio de Ferro" não aceitaram tal situação, exigindo as mesmas três vagas de pernambucanos e baianos, alegando que seus times eram potenciais fontes de renda. 

Enquanto esse impasse permanecia sem resolução, o torneio seletivo transcorria. Primeira colocada, a Tuna classificou-se com antecedência. Remo e Paysandu iriam decidir a segunda vaga paraense em clássico no Baenão, na noite de 02/10/1968. A partida era muito aguardada pelas torcidas, pois, além da classificação, ainda resultaria na eliminação do rival. Mas não foi o que aconteceu. Segundo O Liberal do dia seguinte, à tarde, antes do jogo, chegou a notícia de que a CBD acatou o pedido do "Trio de Ferro", garantindo-os no "Nordestão". Diante disso, o Re-Pa, que prometia ser cercado de emoções, não passou de um jogo de compadres: 1 a 1, que não valeu apenas a disposição dos grupos — o Paysandu, segundo colocado do torneio ficou no grupo 1 e o Remo, terceiro, no 2.

Dessa forma, o Torneio do Norte de 1968 foi montado da seguinte maneira: 

Grupo 1: Paysandu, Tuna, Nacional-AM e Fast-AM; 

Grupo 2: Remo, Ferroviário-MA, Moto Club-MA, Flamengo-PI e Piauí. 

Após uma pequena inter-temporada preparatória em Santarém, o Leão voltou as suas atenções para o regional. Único nortista de fato no seu grupo, o Remo se aproveitou do “fator casa” para conseguir seus resultados. Foi assim que emplacou três vitórias seguidas: 1 a 0 no Piauí, 1 a 0 no Moto e 4 a 0 no Flamengo. Todavia, no primeiro jogo longe dos seus domínios, perdeu para o Ferroviário por 2 a 1, no Maranhão, empatando em 1 a 1 na virada do turno, no Baenão. Em seguida, perdeu para o Piauí por 2 a 1, fora, em 07/11, em jogo marcado por agressões aos jogadores azulinos, especialmente à Jorge Mendonça. Esse fato provocou a suspensão do torneio, temporariamente.

Cerca de um mês depois, em 12/12/1968, a competição retornou. Nesse dia, o Leão voltou a golear impiedosamente o Flamengo, dessa vez por 6 a 1. Esse jogo foi disputado no Baenão devido aos acontecimentos da partida anterior, em acordo firmado entre Remo, Flamengo e CBD. Por fim, o Mais Querido finalizou a sua participação nessa fase inicial empatando em 2 a 2 com o Moto Club, em São Luís (MA), no dia 15/12. Os azulinos encerraram a sua participação nessa primeira etapa com 10 pontos, dois atrás do Piauí.

Nas semifinais, o Remo teve pela frente o Nacional do Amazonas. No confronto de leões, prevaleceu o paraense. Entretanto, no primeiro jogo, já em 19/01/1969, quem venceu foi o Nacional por 3 a 1, em Manaus. Na volta, dia 26, o Remo se recuperou, aplicando 3 a 0. forçando uma partida de desempate — a chamada "negra". Esta foi disputada novamente no Baenão, dois dias depois, com novo triunfo azulino, agora por 2 a 0, classificando-se para a final do torneio.

Na grande decisão, o Remo enfrentaria mais uma vez o Piauí, que eliminou o Paysandu sem maiores dificuldades, com duas vitórias. O adversário era complicado. O Piauí vivenciava o melhor período de sua história, quando foi tetracampeão estadual entre 1966 e 1969. Além disso, o "Enxuga Rato", como era conhecido, em referência à uma música da época, tinha como principal jogador o atacante Sima, o maior artilheiro nordestino de todos os tempos, com mais de 500 gols marcados. Mas o Leão era o atual campeão paraense invicto e lutaria para defender a honra do principal estado da região. 

O primeiro embate ocorreu em 09/02/1969, em Teresina (PI). Irreconhecível, o Remo sucumbiu, perdendo por 5 a 1. Mas o Clube de Periça soube se reerguer e, na volta, em 12/02, no Baenão, se vingou com outra goleada, esta por 4 a 1. Destaque para o craque Amoroso, autor de dois gols, um deles de bicicleta. Birungueta e  Íris completaram o placar.

O Liberal, 13/02/1969

Esse contexto forçou mais uma vez a realização de uma partida extra, programada para 48h depois, novamente no Baenão. Os dirigentes piauienses foram contrários, queixando-se de hostilidades da torcida paraense, o que, de fato, não ocorreu. Tanto é que o presidente da Federação Piauiense de Desportos — FPD — negou essa informação e, em acordo com o presidente da Federação Paraense de Desportos, confirmou a "negra". Foi estabelecido ainda que o Piauí teria a vantagem do empate pela somatória dos placares anteriores (6 x 5); ao Remo, apenas a vitória interessava.

Tudo certo. Chega então o grande dia: 14/02/1969. A decisão mexeu com todo o meio esportivo local. A conquista transcendia a individualidade; não pertencia apenas ao Clube do Remo, mas à todo o Pará. Por isso era essencial a união de todas as torcidas nessa batalha final. Isso é ressaltado pelo jornalista Isaac Pais em O Liberal

"APOIO TOTAL AO CAMPEÃO PARA CONFIRMAR O TÍTULO — (...) há um título em discussão, que será tanto do Clube do Remo como do Pará. Ganhá-lo, será uma honra para todos, sem distinção das côres clubísticas. O campeão paraense precisa hoje do apôio total dos desportistas da terra, para no final da contenda todos possamos gritar: CAMPEÃO DO NORTE!".


O Liberal, 14/02/1969

A torcida atendeu ao apelo. Os azulinos, em sua maioria, contaram com o suporte de bicolores e tunantes para lotar o Baenão e, mais uma vez, assustar os adversários. A peleja foi uma luta tensa e cheia de emoção, cuja história começou a ser escrita através do gol de Adinamar logo aos três minutos do primeiro tempo. O Piauí empatou com o Sima aos 33'. Mas o iluminado Adinamar, em dia inesquecível, fez o seu segundo gol aos 42'... Um gol olímpico! Estava escrito: "REMO CAMPEÃO DO NORTE DO ‘I NORDESTÃO'", como enfatizou a manchete d'A Província do Pará, de 15/02/1969, para a alegria do povo paraense em plena sexta-feira de Carnaval!

Segue A Província: "'LEÃO AZUL' HONROU TRADIÇÃO DO FUTEBOL PARAENSE ONTEM À NOITE SUPLANTANDO PIAUI E. C. — Num jôgo dramático, cheio de lances eletrizantes, o Clube do Remo conquistou para o Pará o título de campeão do Norte, ao derrotar à noite de ontem no estádio 'Evandro Almeida' pela contagem de dois gols a um a representação do Piauí".

A Província do Pará, 15/02/1969

CAMPANHA

1ª Fase – Grupo 2

09/10/1968.
REMO 1 X 0 PIAUÍ EC.
Estádio Evandro Almeida/Baenão.
Gol: Robilotta.

16/10/1968.
REMO 1 X 0 MOTO CLUB-MA.
Estádio Evandro Almeida/Baenão.
Gol: Amoroso.

24/10/1968.
REMO 4 X 0 FLAMENGO-PI.
Estádio Evandro Almeida/Baenão.
Gols: Amoroso (3) e Robilotta.

27/10/1968.
FERROVIÁRIO-MA 2 X 1 REMO.
Estádio Nhozinho Santos – São Luís (MA).
Gol: Robilotta.

30/10/1968.
REMO 1 X 1 FERROVIÁRIO-MA.
Estádio Evandro Almeida/Baenão.
Gols: Amoroso.

07/11/1968.
PIAUÍ EC 2 X 1 REMO.
Estádio Lindolpho Monteiro – Teresina (PI).
Gol: Julião.

12/12/1968.
REMO 6 X 1 FLAMENGO-PI.
Estádio Evandro Almeida/Baenão.
Gols: Adinamar (2), Amoroso (2), Íris e Alemão.

15/12/1968.
MOTO CLUB-MA 2 X 2 REMO.
Estádio Nhozinho Santos – São Luís (MA).
Gols: Robilotta (2).

Semifinal

19/01/1969.
NACIONAL-AM 3 X 1 REMO.
Estádio Parque Amazonense – Manaus (AM).
Gol: Robilotta.

26/01/1969.
REMO 3 X 0 NACIONAL-AM.
Estádio Evandro Almeida/Baenão.
Gols: Carlitinho, Amoroso e Waltinho.

28/01/1969.
REMO 2 X 0 NACIONAL-AM.
Estádio Evandro Almeida/Baenão.
Gols: Adinamar e Zequinha.

Final

09/02/1969.
PIAUÍ EC 5 X 1 REMO.
Gol: Robilotta.

12/02/1969.
REMO 4 X 1 PIAUÍ EC.
Gols: Amoroso (2), Birungueta e Íris.

14/02/1969.
REMO 2 X 1 PIAUÍ EC.
Estádio Evandro Almeida/Baenão. 
Renda: NCr$ 25.000,00. 
Árbitro: Arnaldo César Coelho (SP).
Auxiliares: Jaime Batista (PA) e Paulo Bezerra (PA). 
Remo: François; China, Alemão, Casemiro e Edílson; Sirotheau e Carlitinho; Birungueta, Amoroso (Valtinho), Robilotta e Adinamar. Técnico: Danilo Alvim.
Gols: Adinamar (3'/1T e 1T).

Estatísticas

- Jogos: 14.
- Vitórias: 8. 
- Empates: 2. 
- Derrotas: 4. 
- Gols Pró: 30. 
- Gols Contra: 18. 
- Saldo de Gols: +12. 

* Esse texto é fruto das pesquisas de Adenirson Olivier (Cultura de Remo), Felipy Chaves (Enciclopédia do Leão) e Joaquim Rangel (Azulinos da Cidade).

Um comentário:

  1. 1968 eu estava com 12 anos mas me lembro como se fosse hoje, a conpanhei toda tragetoria do nosso leão azul

    ResponderExcluir