sábado, 25 de junho de 2022

Bicampeão Paraense em 1974 (Invicto)

CLUBE DO REMO - BICAMPEÃO PARAENSE INVICTO EM 1974

A edição de 1974 do Campeonato Paraense foi, talvez, a mais disputada de todos os tempos, muito em função do seu excêntrico regulamento, dividido em três turnos. Acontece que o desenrolar dessa fórmula possibilitava uma condição ainda mais única e especial: o Supercampeonato, disputado entre os vencedores de cada turno para, enfim, se definir o campeão paraense. E foi o que aconteceu.

O primeiro turno foi vencido pelo Paysandu, enquanto que o Remo levou o segundo. Já o terceiro teve como ganhadora a Tuna, em uma decisão emocionante contra o Leão, que merece um destaque a mais. Depois de empatarem em 1 a 1 no tempo regulamentar e em 2 a 2 na prorrogação, a Lusa levou o título apenas na segunda série de penalidades, ganhando por 10 a 9 - Marinho foi quem perdeu para o lado azulino -, naquele que, possivelmente, foi o jogo mais longo da história do Parazão.

Mas aqui cabe uma ressalva. Mesmo com esse revés nas penalidades, o Remo não perdeu a invencibilidade na competição. Afinal, a disputa de pênaltis não entra nas estatísticas dos times e jogadores, por ser um procedimento que não faz parte, de fato, da partida, prevalecendo o resultado final (empate). 

Com o Supercampeonato definido, o Trio de Ferro inicia a briga pelo título máximo do futebol paraense. O Remo assistiu de camarote o empate de 0 a 0 entre Paysandu e Tuna no dia 11 de dezembro de 1974, que abriu o Super. Diante desse resultado, uma vitória sobre os bicolores no dia 15, no Baenão, colocaria o Leão em vantagem na disputa.

Naquele Re-Pa acabou prevalecendo a lógica. O Remo venceu por 2 a 0, com gols de Alcino aos 33' do primeiro tempo e Mesquita aos 7' do segundo. A emblemática vitória não apenas sepultou as chances dos bicolores, como também marcou o melancólico fim da "geração do Quarenta" do rival, que se sobressaía desde a segunda metade dos anos 50. O invencível Leão Azul, sob os comandos de Paulinho de Almeida, representava os novos tempos no futebol paraense e partia em busca de mais de mais um título invicto.

Sob às vistas de Rosemiro, Alcino comemora o seu gol, que inaugurou o placar diante dos bicolores, aos 33 minutos do primeiro tempo. Mesquita,  aos 7' do segundo, fechou a contagem ("A Província do Pará", 16 de dezembro de 1974

Em um cenário muito semelhante ao ano anterior, após eliminar o maior rival, o Remo precisava apenas de um empate no dia 18 de dezembro, contra a qualificada Tuna de Miguel Cecim para sagrar-se campeão. Mas, diferentemente, a vitória veio com um gol memorável de Alcino, imortalizado pelas lentes do repórter Braz da Rocha ("A Província do Pará") e relembrado nesse relato emocionante do apaixonado torcedor azulino Rocildo Oliveira:

"35 minutos do segundo tempo, a experiente equipe do professor Paulinho de Almeida arma o contra ataque. A bola chega aos pés do veloz e habilidoso ponteiro-esquerdo Neves que levanta a cabeça e lança o balão de couro para o interior da grande área. Por um segundo o torcedor emudece, com o seu olhar atento segue a trajetória da bola, que muito antes de tocar o chão é alcançada pela testada fulminante, do gigante azulino Alcino. O silêncio sepulcral da lugar a uma explosão de risos e choros. O grito de gol ecoava por toda Belém, por todo Estado do Pará...".

O voo do gigante! Momento exato do gol de Alcino, flagrado pelas lentes de Braz da Rocha. Na imagem ainda é possível observar os tunantes Reginaldo (goleiro), Carvalho (zagueiro), Oliveira Pipoca (lateral-esquerdo), o lateral-direito azulino Rosemiro, além, é claro do inalcançável Alcino

Esse foi o 12° de Alcino, que tornou-se artilheiro da competição e fez explodir o Baenão completamente lotado após a conquista de mais um campeonato. Em outra campanha sensacional, o Clube do Remo venceu 12 jogos e empatou seis, marcando um total de 28 gols e sofrendo apenas cinco. Números espetaculares que consagraram o Filho da Glória e do Triunfo como o superbicampeão paraense de 1974.

O time superbicampeão. Em pé: Rosemiro, Elias, China, Dico, Rui Azevedo e Cuca. Agachados: Caíto, Nena, Alcino, Roberto e Neves

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Campeão Paraense em 1973 (Invicto)

CLUBE DO REMO - CAMPEÃO PARAENSE INVICTO EM 1973

Faziam cinco anos em que o Clube do Remo não conquistava o Campeonato Paraense. Depois do título invicto de 1968, o Mais Querido esteve muito perto de encerrar o jejum em 1971 e 1972, mas amargou vices contra o maior rival em decisões emblemáticas. Entretanto, a espera remista acabaria em 1973 com uma campanha esplendorosa. 

Vindo de uma bela apresentação no Campeonato Nacional no ano anterior, o Leão Azul credenciou-se como o grande time do estado, demonstrando isso dentro de campo ao sagrar-se mais uma vez campeão paraense de forma invicta. Os azulinos não deram quaisquer chances aos adversários, arrematando os dois turnos e, consequentemente, o título.

Ainda assim, é óbvio que a conquista não seria permeada por polêmicas - algo muito comum naqueles tempos. Na reta final da competição, o Remo, que já era campeão do primeiro turno, liderava a tabela de pontos, sendo seguido por Tuna, Sport Belém e Paysandu, em sequência.

Isso fez com que o último jogo da campanha, contra o Paysandu, no dia 12 de agosto de 1973, ganhasse contornos de dramaticidade, principalmente pela situação delicada do rival. Num Baenão superlotado, o Remo jogava melhor, mas era o Paysandu que vencia por 1 a 0. Isso até 22' do segundo tempo, quando o juiz José Luiz Barreto marcou um pênalti do listrado Diogo no azulino Augusto.

Os bicolores não aceitaram e iniciaram uma confusão, ainda mais inflamados quando Alcino foi comemorar a marcação da penalidade, chutando as redes adversárias. Nisso, o árbitro, sem esperar os 20' necessários, optou por suspender a partida e dirigiu-se com os auxiliares para o túnel onde estava a torcida do Paysandu. Acabou sofrendo um trauma facial provocado por uma garrafa de cerveja. A partida foi anulada e o episódio ficou conhecido como o "Domingo das Garrafadas".

"A Província do Pará", 14 de agosto de 1973

A remarcação do embate se deu dois dias depois, em 14 de agosto, novamente no Baenão, com policiamento reforçado e nova arbitragem. Dessa vez, o Leão aproveitou que o rival estava desfalcado - Prado, expulso no domingo anterior, antes da confusão, estava fora pela "Lei do Cão" - e venceu com autoridade por 2 a 1, gols marcados por Roberto aos 17' do primeiro tempo e Alcino aos 29' do segundo. Resultado este que alijou o Paysandu do campeonato. 

Gol de Roberto que sacramentou a vitória azulina no Re-Pa

Ao Remo, bastava um simples empate contra a Tuna no último jogo, no Baenão, dia 17 de agosto. E ele veio com 0 a 0 morno, mas suficiente para tirar o grito de campeão da Nação Azulina que estava há cinco anos entalado. A festa, justificada, foi tanta que perdurou por todo o fim de semana. O ponto negativo foi o falecimento de um torcedor na piscina da sede social durante a comemoração. 

Caíto comandou a festa da torcida

Interessante observar que mesmo com o sucesso dentro de campo, à beira dele nem sempre foi as mil maravilhas. O treinador Aloísio Brasil, devido a problemas no relacionamento com alguns jogadores, chegou a deixar o cargo, sendo substituído por Wilson Santos, mas retornou auxiliado por Cléber Camerinho e François Thym. 

Mas nem mesmo essa mudança no comando técnico atrapalhou a trajetória remista. Os números do Filho da Glória e do Triunfo provam isso: nove vitórias e três empates em 12 jogos, com 25 gols marcados e apenas três sofridos, que lhe garantiram os dois turnos e, consequentemente, o campeonato. De quebra, o Remo ainda teve o artilheiro do certame - Alcino, com sete gols.

O Primeiro Duelo Futebolístico entre Pará e Amazonas

É no distante ano de 1909 que acontece o jogo inaugural, na história, entre clubes de futebol dos dois maiores Estados da Amazônia brasileira, envolvendo as equipes do Brasil Football Club (de Manaus, capital do Amazonas) e o Sport Club do Pará (de Belém, capital do Pará).

Naquele ano Manaus ainda vivia o fausto econômico ocasionado pela exportação da borracha e,com uma intensa vida cultural,a sociedade amazonense,em suas horas de lazer,cada vez mais se dedicava às práticas esportivas. 

Trazido à capital do Amazonas pelos ingleses,o "Football" foi timidamente ganhando espaço e aos poucos desbancando a preferência do público local pelo turfe e ciclismo.

Em 1909,enfim,o futebol caía nas graças e na preferência dos manauaras de todas as classes sociais,tanto é que somente nesse ano são fundados em Manaus 18 clubes para a prática do esporte bretão.

Porém de todos esses clubes, o Racing e o Brasil eram os principais pois eram os de maior torcida, os mais competitivos e que continham os melhores jogadores do Amazonas. Os encontros entre Racing e Brasil era considerado a maior rivalidade do futebol amador amazonense daquele ano.

Belém era a outra capital do Norte que na época também usufruía da riqueza  proporcionada pela exportação gomífera. Na capital do Pará o futebol foi introduzido antes do quê em Manaus,inclusive o campeonato paraense já era disputado desde 1906. Haviam na cidade várias boas equipes de futebol que disputaram o certame estadual de 1908/1909, entre  elas o Pará Club, Belém Football Club, União Sportiva e, lógico, o Sport Club (que foi vice-campeão).  

A CHEGADA DOS JOGADORES PARAENSES

Mas, em abril de 1909, um grupo de jogadores vindos de Belém do Pará, desembarcava de um vapor no Porto de Manaus, alguns deles eram Arnaldo Andrade, Eirado Júnior, Djalma Machado, Campbell Pena e Tavares Cardoso.

Na cidade eles foram acolhidos por um conterrâneo seu chamado Luiz Paulino, um esportista paraense que residia em Manaus. 

Os atletas visitantes pertenciam ao Sport Club do Pará, veterana agremiação de Belém que foi o primeiro clube a praticar o futebol no Pará (em 1898) e disputava as primeiras edições do campeonato paraense. 

Já estando os jogadores visitantes devidamente alojados em Manaus, Luiz Paulino logo mandou uma carta para um jornal local,f azendo um convite de um amistoso de seus companheiros para com uma das principais equipes do futebol Baré em evidência naquele momento: o Racing. 

A diretoria do clube alvinegro manauara leu o convite e aceitou o desafio que ficou marcado para se realizar no dia 4 de abril, num domingo, na Praça Antônio Bittencourt (conhecida hoje como Praça do Congresso).

Mas para decepção dos atletas paraenses, no dia marcado para o jogo, a diretoria do Racing manda uma carta para os visitantes comunicando-lhes que não iam mais participar do encontro. Não se sabe o motivo que levou o clube amazonense a tomar essa decisão. 

Mesmo desanimados com a inesperada notícia, os paraenses não se deixaram abater  e,em cima da hora, resolveram lançar o desafio ao maior rival do Racing: o Brasil Football Club.

Naquele momento os jogadores do Brasil estavam fazendo um treino e aceitaram de bom grado realizar o jogo, afinal possuíam bons atletas como Pingarilho, Tancredo Costa e o inglês Huascar Purcell.

BRASIL  X  SPORT CLUB DO PARÁ  - JOGO INTERESTADUAL TERMINOU COM VITÓRIA PARAENSE

Era o dia 4 e abril de 1909 e a Praça Antônio Bittencourt (que era o campo oficial do Brasil) estava naquela tarde  com seus arredores completamente lotados, com grande presença  de populares e membros da elite. 

Precisamente às 17 horas o juiz inglês Bolivar Purcell dava início ao aguardado jogo, cabendo a saída ao Brasil, através do centroavante Huascar Purcell. 

O jogo se mantém equilibrado,a torcida apóia o time local, mas também aplaude os jogadores paraenses pelas suas certeiras combinações de passes e tática, mostrando que eram conhecedores a fundo do futebol.

Huascar, do Brasil, faz um passe para Compton (um outro britânico do time amazonense). Este, de posse da bola, avança para o campo do Sport Club. Mas Luiz Paulino, que seguia Compton de perto, consegue tomar-lhe a bola e,em disparada,vai levando a pelota e driblando os adversários quando, já próximo da trave do Brasil,desfere um forte chute marcando assim o primeiro gol dos paraenses. 

Recomeça a luta e os jogadores se batem com valentia,com a bola num instante prevalecendo  no lado do campo do Brasil e noutro estacionando no campo do Sport Club.

Compton e Huascar chutam várias vezes contra o gol do Sport Club, mas todas as tentativas são rebatidas pelo goleiro Djalma Machado.

Faltavam cinco minutos para acabar o primeiro tempo quando Luiz Paulino, Newton e Andrade,trocando passes,levam a bola para o campo do time amazonense.Já próximo do gol do Brasil,Paulino faz um passe para Newton e este,não estando numa posição firme, passou a bola a Andrade que com outro petardo assinalou o segundo gol do Sport Club do Pará. 

E assim, com a vantagem de dois gols do time visitante, terminava o primeiro tempo.

Depois de 10 minutos de descanso, reiniciava o jogo na sua etapa final. Mas, apesar das tentativas, não houve alteração do placar em seu segundo tempo, pois os jogadores se mostravam bastante cansados. Porém, Fernando Silva, do Sport Club, por pouco não fez um belo gol quando do meio do campo deu um forte chute, passando a bola por cima da trave do Brasil.

A partida terminou às 18 horas com a vitória do Sport Club do Pará por 2 x 0, um grande resultado adquirido no campo inimigo. A torcida ergueu diversos "vivas" aos jogadores dos dois clubes e a imprensa local classificou o jogo como o mais importante, até então, realizado no Amazonas. 

Somente a partir de 1918 que partidas de futebol entre amazonenses e paraenses voltaram a se realizar, sendo frequentes nos anos seguintes.

À esquerda se tem a foto, em 1909, de Ulysses Reymar,que foi quem fundou o clube amazonense do Brasil Football Club, sendo ele também membro da diretoria. À direita se tem a imagem do time do Sport Club do Pará, em 1912, contendo alguns jogadores que três anos antes estiveram em Manaus realizando o pioneiro jogo

Fontes: "Jornal do Commercio", jornal "O Amazonas".

Texto: Gaspar Vieira Neto (historiador amazonense).

terça-feira, 21 de junho de 2022

Os Primórdios do Futebol Paraense

O surgimento do futebol em terras paraenses é permeado de incertezas. Os registros mais antigos são escassos e inconclusivos, mas apontam que os primeiros jogos parecem ter sido disputados a partir do final do século XIX. O jornalista Ferreira da Costa em seu livro Parazão Centenário (2012) fez um compilado desses indícios, com citações da prática do esporte entre 1890 e 1896. Essa última data é corroborada pelo historiador Ernesto Cruz, na sua obra "História do Clube do Remo" (1970), que traz ainda uma nota do jornal "Folha do Norte", de 24/12/1903, assinada pelo leitor "M. F.", que diz o seguinte: 

"(...) em 1896 se disputavam, por iniciativa da Associação Dramática e Recreativa e Beneficente, várias partidas de futebol, na praça Batista Campos...".

Pedro Brandão, em seu trabalho As primeiras formas de organização do futebol em Belém do Pará (1896-1910), encontra como registro mais antigo do futebol paraense uma nota do jornal Folha do Norte, de 30/07/1898, noticiando que a diretoria do Sport Club do Pará estaria organizando uma partida para o dia seguinte. Ferreira vai ao encontro dessa informação, destacando ainda que esse seria o primeiro time paraense de futebol, fundado por La Rocque e outros, que jogaria contra um time de ingleses no campo da Praça Floriano Peixoto.

Em 1906 ocorreu a tentativa inicial da realização de um campeonato, que seria organizado pela Pará Foot-Ball Association League, e disputado em turno único. A primeira partida se deu em 16/12/1906 entre os times do Pará e do Belém. Porém, devido às divergências entre os participantes, a competição foi suspensa no mês de junho de 1907 e não teve a sua conclusão. 

Representação do time do Belém Foot-Ball Club. Fotografia de uma das edições da revista portuguesa "Tiro e Sport" em 1907, colorizada por Marcos Paulo Darcheville

Em 19/08/1908, fundou-se a Liga Paraense de Foot-Ball. Essa, por sua vez, teve êxito e conseguiu organizar o primeiro Campeonato Paraense da história, vencido pelo União Sportiva, que recebeu a Taça Pará. O Sport Club do Pará foi o vice. Em 1909, o campeonato não foi disputado, retornando em 1910, tendo novamente o União como seu ganhador. Pouco se sabe dos detalhes dessa conquista, apenas de citações posteriores, a exceção de uma rica matéria da revista portuguesa Tiro e Sport, de 15/07/1910 sobre a abertura oficial do campeonato, em 13/05.

Imagens raras da revista portuguesa Tiro e Sport, colorizadas por Marcos Paulo Darcheville. Acima, observa-se o Dr. Elyseu Cezar declarando inaugurada a Liga Paraense de Foot-Ball. Abaixo, aquele que talvez seja o primeiro registro fotográfico de uma partida de futebol no Pará, entre os times do Instituto Amazonia (branco) e Gymnasio Paes de Carvalho (escuro) na Praça Floriano Peixoto, válido pelo campeonato acadêmico. Esse jogo precedeu a partida entre Sport Club do Pará e Panther Foot-Ball Club

Vale ressaltar que desde meados de 1850, era muito forte a influência europeia na cidade de Belém, sobretudo dos ingleses, que passaram a comandar setores-chave da cidade, como as companhias de navegação e energia, fenômeno impulsionado pelo Ciclo da Borracha na Amazônia (1879-1912). Belém vivia a sua chamada belle époque, na qual experimentou várias mudanças não apenas infra-estruturais, como também multiculturais. Era comum, por exemplo, que os jovens de famílias da elite fossem estudar na Europa. Essa onda facilitou a entrada de Belém como uma das primeiras capitais brasileiras a desenvolverem o esporte.

Aliás, é interessante destacar como a influência inglesa estava presente também nos meios de comunicação. Sem ainda possuir uma identidade própria, o futebol era referenciado com palavras de sua língua materna. Os jogadores eram chamados de footballers, os zagueiros de backs, os meio-campistas de center-half, os atacantes de forwards e por aí vai. Os matchs (jogos) e trainings (treinos) eram organizados pelos capitain (capitães) dos teams (times). 

Em seus primórdios, o futebol, assim como qualquer outro esporte, ainda era praticado de forma amadora, como uma atividade de lazer. Ainda não havia a ideia de profissão, logo os times eram formados por jogadores que trabalhavam em outras áreas, tais como médicos e advogados, geralmente restrito aos segmentos mais elitizados. Como não precisavam ficar a maior parte do dia trabalhando, esses homens podiam até mesmo se dedicar à prática de diversos esportes, como o remo, a natação e o turf (corrida de cavalos). Esses desportistas ficaram conhecidos como sportman, sendo cultuados pelo seu privilégio físico e social.

segunda-feira, 20 de junho de 2022

Bicampeão do Norte em 1969

CLUBE DO REMO — BICAMPEÃO DO NORTE EM 1969

Ainda com a primeira conquista totalmente viva na memória dos azulinos, o Clube do Remo ingressou no Torneio Norte-Nordeste de 1969 disposto a manter a hegemonia regional, apenas sete meses após obtê-la. Novamente sob a égide da Confederação Brasileira de Desportos — CBD —, a segunda edição do "Nordestão" apresentou algumas mudanças. 

O lado “Norte" foi organizado em dois grupos conforme a proximidade geográfica dos estados participantes e estes, por sua vez, em quatro subgrupos. Os times de cada grupo jogavam entre si e os primeiros colocados formariam um quadrangular que decidiria o campeão do Norte. Portanto, assim se deu a disposição inicial dos disputantes:

Grupo 1:

Subgrupo A (PI): Flamengo, River e Piauí.

Subgrupo B (MA): Ferroviário, Sampaio Corrêa e Maranhão. 

Grupo 2:

Subgrupo A (PA): Remo, Tuna e Paysandu.

Subgrupo B (AM): Nacional, Olímpico e Fast.

A estreia do Clube do Remo ocorreu no dia 24/09/1969, quando perdeu o clássico para a Tuna por 1 a 0. Todavia, essa seria a única derrota azulina na primeira fase. Nos outros jogos, o Leão somou oito vitórias e apenas um empate, classificando-se com sobras no seu subgrupo — 17 pontos contra 12 da Tuna e 11 do lanterna Paysandu —, com direito à vitória de 1 a 0 no Re-Pa que finalizou a sua campanha, no dia 09/11. Os demais classificados foram Nacional, Flamengo-PI e Ferroviário-MA. 

Com o quadrangular decisivo formado, o Leão começou com tudo. Venceu o Flamengo por 1 a 0 e o Ferroviário por 2 a 0, ambos fora de casa. No primeiro jogo em seus domínios, empate sem gols com o Nacional. Na virada do turno, recuperou-se ao vencer o Flamengo por 2 a 0, em casa. Nessas condições, o Remo somava sete pontos, contra cinco dos demais adversários, necessitando de apenas mais um ponto nas partidas remanescentes para confirmar o bi.

A própria imprensa de fora, já dava como certo o título azulino, conforme evidenciado no Jornal do Commercio (AM), do dia 05/12/1969: "Remo precisa de um empate para classificar-se — O Clube do Remo, após a vitória de quarta-feira, diante do Flamengo, do Piauí, garantiu praticamente o título de campeão do Norte, pela segunda vez, a não ser que venha a perder seus próximos compromissos frente ao Ferroviário, domingo, e na vindoura quarta-feira, diante do Nacional".

Entretanto, o improvável aconteceu. Na data de 07/12, uma surpreendente derrota para o Ferrim maranhense por 2 a 1, no Baenão, adiou a festa dos azulinos, que esperavam comemorar em casa o bicampeonato. Com o revés, o time maranhense voltou à briga, deixando tudo para a última rodada.

A Província do Pará, 10/12/1969

Mesmo assim, a vantagem do empate permanecia para o jogo derradeiro, em 10/12/1969. Entretanto, ela praticamente foi por água abaixo quando o Nacional abriu 2 a 0 no placar, se aproveitando da atuação desastrosa do time remista e principalmente do zagueiro Carvalhão,  com sucessivas falhas, tornando a defesa azulina um verdadeiro buraco. Concomitantemente, o Ferroviário-MA vencia o Flamengo-PI no Maranhão pelo mesmo placar, empatando em pontos com o Remo (sete) reduzindo a diferença no saldo de gols para dois.

Diante disso, o campeoníssimo técnico Danilo Alvim resolveu sacudir a equipe no intervalo. Colocou Edilson no lugar de Carvalhão e sacou Íris, que estava totalmente apagado. As medidas surtiram efeito e o Clube do Remo impôs uma extraordinária reação, alcançando o tão almejado empate graças à estrela de Zequinha, que marcou aos 20' e aos 40' do segundo tempo, dando números finais ao jogo. Não havia mais jeito! Nem a consumação da vitória do Ferroviário contra o Flamengo tirava mais o titulo remista. 

No dia seguinte, A Província do Pará decretou: “CLUBE DO REMO — BI-CAMPEÃO DO NORTE! — O Clube do Remo sagrou-se bicampeão do norte, no NN-69, ao reagir e empatar de maneira sensacional com o Nacional, ontem, à noite, em Manaus não dando chance assim que a decisão fôsse pell goal-average, como tudo parecia crêr”. Segundo a publicação, o Clube do Remo jogou com: François; Mesquita, Nagel, Carvalhão (Edilson) e Lúcio; Angelo e Carlito; Birungueta, Íris (Osmar), Zequinha e Neves.

A Província do Pará, 11/12/1969

Já O Liberal expôs: "DEU BI EM MANAUS — (...) Todavia, no segundo tempo, deu-se a reação do Clube do Remo; a equipe 'azulina' entregou-se à luta com brio, com muito ardor, com firmeza, na medida em que o time da casa ia caindo de produção, convencido de que tinha a vitória assegurada. E vieram os dois goals de Zequinha, ambos fruto da insistência dos 'azulinos' em desfazer a desvantagem dos 'nacionalinos'. E foi o empate e com êle o título de bicampeão do Norte, sem a necessidade de recorrer à diferença de goals".

No entanto, a temporada azulina só encerraria de fato no dia 14/12/1969, quando o Leão disputou um Re-Pa festivo, no qual seriam entregues as faixas de bicampeão do Norte ao Clube do Remo e de campeão paraense ao Paysandu, no Baenão. O Filho da Glória e do Triunfo venceu por 2 a 0, gols de Robilotta e Neves, mostrando que "NO CLÁSSICO DAS FAIXAS LEÃO FOI MAIS CAMPEÃO", como evidenciou A Província do Pará, de 16/12/1969.

A Província do Pará, 16/12/1969

* Esse texto foi feito com base nas pesquisas de Adenirson Olivier (Cultura de Remo), Felipy Chaves (Enciclopédia do Leão) e Joaquim Rangel (Azulinos da Cidade).

sábado, 18 de junho de 2022

Campeão do Norte em 1968

CLUBE DO REMO — CAMPEÃO DO NORTE DE 1968
Uma das formações utilizadas na campanha do título regional

No final dos anos 60 o futebol brasileiro passou por profundas mudanças. A Taça Brasil, o "Campeonato Brasileiro" da época, já não atraía mais as atenções dos principais clubes do país, devido às suas fases regionalizadas — o que reduzia os jogos entre os times ditos “grandes”. Como consequência, em 1967 as federações carioca e paulista resolveram ampliar o Torneio Rio-São Paulo com o ingresso de times de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná. Assim, foi criado o Torneio Roberto Gomes Pedrosa — nome oficial da competição inter-regional predecessora.

Em 1968, a Confederação Brasileira de Desportos — CBD — assumiu a organização do "Robertão" — como era popularmente conhecido —, que, por força política, incluiu a participação de um time pernambucano e um baiano passou a se chamar Taça de Prata. Até esse momento, o torneio era disputado em paralelo à Taça Brasil, mas, com a extinção desta em 1968 por puro desinteresse, o "Robertão"/Taça de Prata se tornou o único "nacional" do país.

Esse cartaz que a Taça de Prata carregava era meramente simbólico, visto que a competição era monopolizado pelos times do eixo Sul-Sudeste — mesmo com a participação de alguns poucos nordestinos, casos de Bahia, Náutico-PE e Santa Cruz-PE. Entretanto, a grande maioria dos times brasileiros não foi contemplada nesse seleto grupo. Para resolver essa situação, a CBD criou competições inter-regionais: os Torneios Norte-Nordeste e Centro-Sul. 

Este último não teve muito sucesso, sendo finalizado uma única vez, em 1968, vencido pelo Grêmio Maringá-PR. Mas o mesmo não se pode dizer do Norte-Nordeste. Frequentemente apelidado de "Nordestão", o Torneio Norte-Nordeste perdurou até 1970. Em sua essência, era composto por duas disputas independentes: os Torneios do Norte e do Nordeste, reunindo os principais representantes de cada região. 

Com algumas variações nas suas fórmulas, os campeões de cada torneio fariam a final inter-regional. Mas, no caso da parte Norte, havia um porém: apenas o Pará e o Amazonas eram profissionalizados. A solução foi incluir os estados do "Meio-Norte": Piauí e Maranhão. 

Outro imbróglio se deu quanto a escolha dos participantes paraenses. Inicialmente, a CBD decidiu que apenas Bahia e Pernambuco teriam três representantes no "Nordestão", enquanto que os outros estados, incluindo o Pará, teriam duas vagas. Portanto, Remo, Paysandu e Tuna tomaram parte de um triangular classificatório para o Torneio do Norte. Porém, através da Federação Paraense de Desportos — FPD — o "Trio de Ferro" não aceitaram tal situação, exigindo as mesmas três vagas de pernambucanos e baianos, alegando que seus times eram potenciais fontes de renda. 

Enquanto esse impasse permanecia sem resolução, o torneio seletivo transcorria. Primeira colocada, a Tuna classificou-se com antecedência. Remo e Paysandu iriam decidir a segunda vaga paraense em clássico no Baenão, na noite de 02/10/1968. A partida era muito aguardada pelas torcidas, pois, além da classificação, ainda resultaria na eliminação do rival. Mas não foi o que aconteceu. Segundo O Liberal do dia seguinte, à tarde, antes do jogo, chegou a notícia de que a CBD acatou o pedido do "Trio de Ferro", garantindo-os no "Nordestão". Diante disso, o Re-Pa, que prometia ser cercado de emoções, não passou de um jogo de compadres: 1 a 1, que não valeu apenas a disposição dos grupos — o Paysandu, segundo colocado do torneio ficou no grupo 1 e o Remo, terceiro, no 2.

Dessa forma, o Torneio do Norte de 1968 foi montado da seguinte maneira: 

Grupo 1: Paysandu, Tuna, Nacional-AM e Fast-AM; 

Grupo 2: Remo, Ferroviário-MA, Moto Club-MA, Flamengo-PI e Piauí. 

Após uma pequena inter-temporada preparatória em Santarém, o Leão voltou as suas atenções para o regional. Único nortista de fato no seu grupo, o Remo se aproveitou do “fator casa” para conseguir seus resultados. Foi assim que emplacou três vitórias seguidas: 1 a 0 no Piauí, 1 a 0 no Moto e 4 a 0 no Flamengo. Todavia, no primeiro jogo longe dos seus domínios, perdeu para o Ferroviário por 2 a 1, no Maranhão, empatando em 1 a 1 na virada do turno, no Baenão. Em seguida, perdeu para o Piauí por 2 a 1, fora, em 07/11, em jogo marcado por agressões aos jogadores azulinos, especialmente à Jorge Mendonça. Esse fato provocou a suspensão do torneio, temporariamente.

Cerca de um mês depois, em 12/12/1968, a competição retornou. Nesse dia, o Leão voltou a golear impiedosamente o Flamengo, dessa vez por 6 a 1. Esse jogo foi disputado no Baenão devido aos acontecimentos da partida anterior, em acordo firmado entre Remo, Flamengo e CBD. Por fim, o Mais Querido finalizou a sua participação nessa fase inicial empatando em 2 a 2 com o Moto Club, em São Luís (MA), no dia 15/12. Os azulinos encerraram a sua participação nessa primeira etapa com 10 pontos, dois atrás do Piauí.

Nas semifinais, o Remo teve pela frente o Nacional do Amazonas. No confronto de leões, prevaleceu o paraense. Entretanto, no primeiro jogo, já em 19/01/1969, quem venceu foi o Nacional por 3 a 1, em Manaus. Na volta, dia 26, o Remo se recuperou, aplicando 3 a 0. forçando uma partida de desempate — a chamada "negra". Esta foi disputada novamente no Baenão, dois dias depois, com novo triunfo azulino, agora por 2 a 0, classificando-se para a final do torneio.

Na grande decisão, o Remo enfrentaria mais uma vez o Piauí, que eliminou o Paysandu sem maiores dificuldades, com duas vitórias. O adversário era complicado. O Piauí vivenciava o melhor período de sua história, quando foi tetracampeão estadual entre 1966 e 1969. Além disso, o "Enxuga Rato", como era conhecido, em referência à uma música da época, tinha como principal jogador o atacante Sima, o maior artilheiro nordestino de todos os tempos, com mais de 500 gols marcados. Mas o Leão era o atual campeão paraense invicto e lutaria para defender a honra do principal estado da região. 

O primeiro embate ocorreu em 09/02/1969, em Teresina (PI). Irreconhecível, o Remo sucumbiu, perdendo por 5 a 1. Mas o Clube de Periça soube se reerguer e, na volta, em 12/02, no Baenão, se vingou com outra goleada, esta por 4 a 1. Destaque para o craque Amoroso, autor de dois gols, um deles de bicicleta. Birungueta e  Íris completaram o placar.

O Liberal, 13/02/1969

Esse contexto forçou mais uma vez a realização de uma partida extra, programada para 48h depois, novamente no Baenão. Os dirigentes piauienses foram contrários, queixando-se de hostilidades da torcida paraense, o que, de fato, não ocorreu. Tanto é que o presidente da Federação Piauiense de Desportos — FPD — negou essa informação e, em acordo com o presidente da Federação Paraense de Desportos, confirmou a "negra". Foi estabelecido ainda que o Piauí teria a vantagem do empate pela somatória dos placares anteriores (6 x 5); ao Remo, apenas a vitória interessava.

Tudo certo. Chega então o grande dia: 14/02/1969. A decisão mexeu com todo o meio esportivo local. A conquista transcendia a individualidade; não pertencia apenas ao Clube do Remo, mas à todo o Pará. Por isso era essencial a união de todas as torcidas nessa batalha final. Isso é ressaltado pelo jornalista Isaac Pais em O Liberal

"APOIO TOTAL AO CAMPEÃO PARA CONFIRMAR O TÍTULO — (...) há um título em discussão, que será tanto do Clube do Remo como do Pará. Ganhá-lo, será uma honra para todos, sem distinção das côres clubísticas. O campeão paraense precisa hoje do apôio total dos desportistas da terra, para no final da contenda todos possamos gritar: CAMPEÃO DO NORTE!".


O Liberal, 14/02/1969

A torcida atendeu ao apelo. Os azulinos, em sua maioria, contaram com o suporte de bicolores e tunantes para lotar o Baenão e, mais uma vez, assustar os adversários. A peleja foi uma luta tensa e cheia de emoção, cuja história começou a ser escrita através do gol de Adinamar logo aos três minutos do primeiro tempo. O Piauí empatou com o Sima aos 33'. Mas o iluminado Adinamar, em dia inesquecível, fez o seu segundo gol aos 42'... Um gol olímpico! Estava escrito: "REMO CAMPEÃO DO NORTE DO ‘I NORDESTÃO'", como enfatizou a manchete d'A Província do Pará, de 15/02/1969, para a alegria do povo paraense em plena sexta-feira de Carnaval!

Segue A Província: "'LEÃO AZUL' HONROU TRADIÇÃO DO FUTEBOL PARAENSE ONTEM À NOITE SUPLANTANDO PIAUI E. C. — Num jôgo dramático, cheio de lances eletrizantes, o Clube do Remo conquistou para o Pará o título de campeão do Norte, ao derrotar à noite de ontem no estádio 'Evandro Almeida' pela contagem de dois gols a um a representação do Piauí".

A Província do Pará, 15/02/1969

CAMPANHA

1ª Fase – Grupo 2

09/10/1968.
REMO 1 X 0 PIAUÍ EC.
Estádio Evandro Almeida/Baenão.
Gol: Robilotta.

16/10/1968.
REMO 1 X 0 MOTO CLUB-MA.
Estádio Evandro Almeida/Baenão.
Gol: Amoroso.

24/10/1968.
REMO 4 X 0 FLAMENGO-PI.
Estádio Evandro Almeida/Baenão.
Gols: Amoroso (3) e Robilotta.

27/10/1968.
FERROVIÁRIO-MA 2 X 1 REMO.
Estádio Nhozinho Santos – São Luís (MA).
Gol: Robilotta.

30/10/1968.
REMO 1 X 1 FERROVIÁRIO-MA.
Estádio Evandro Almeida/Baenão.
Gols: Amoroso.

07/11/1968.
PIAUÍ EC 2 X 1 REMO.
Estádio Lindolpho Monteiro – Teresina (PI).
Gol: Julião.

12/12/1968.
REMO 6 X 1 FLAMENGO-PI.
Estádio Evandro Almeida/Baenão.
Gols: Adinamar (2), Amoroso (2), Íris e Alemão.

15/12/1968.
MOTO CLUB-MA 2 X 2 REMO.
Estádio Nhozinho Santos – São Luís (MA).
Gols: Robilotta (2).

Semifinal

19/01/1969.
NACIONAL-AM 3 X 1 REMO.
Estádio Parque Amazonense – Manaus (AM).
Gol: Robilotta.

26/01/1969.
REMO 3 X 0 NACIONAL-AM.
Estádio Evandro Almeida/Baenão.
Gols: Carlitinho, Amoroso e Waltinho.

28/01/1969.
REMO 2 X 0 NACIONAL-AM.
Estádio Evandro Almeida/Baenão.
Gols: Adinamar e Zequinha.

Final

09/02/1969.
PIAUÍ EC 5 X 1 REMO.
Gol: Robilotta.

12/02/1969.
REMO 4 X 1 PIAUÍ EC.
Gols: Amoroso (2), Birungueta e Íris.

14/02/1969.
REMO 2 X 1 PIAUÍ EC.
Estádio Evandro Almeida/Baenão. 
Renda: NCr$ 25.000,00. 
Árbitro: Arnaldo César Coelho (SP).
Auxiliares: Jaime Batista (PA) e Paulo Bezerra (PA). 
Remo: François; China, Alemão, Casemiro e Edílson; Sirotheau e Carlitinho; Birungueta, Amoroso (Valtinho), Robilotta e Adinamar. Técnico: Danilo Alvim.
Gols: Adinamar (3'/1T e 1T).

Estatísticas

- Jogos: 14.
- Vitórias: 8. 
- Empates: 2. 
- Derrotas: 4. 
- Gols Pró: 30. 
- Gols Contra: 18. 
- Saldo de Gols: +12. 

* Esse texto é fruto das pesquisas de Adenirson Olivier (Cultura de Remo), Felipy Chaves (Enciclopédia do Leão) e Joaquim Rangel (Azulinos da Cidade).

terça-feira, 14 de junho de 2022

Campeão Norte-Nordeste em 1971

CLUBE DO REMO — CAMPEÃO DO NORTE-NORDESTE EM 1971
Em pé: Manolo, Odir Neves, Dário, Jorge Dahas, Jorge de Castro, Edair, Ernani, François, Cuca, Dico, Alcyr Braga, Jorge Mendonça, Jorge Matos, Valdemar, Alcino, Mesquita, Lúcio Oliveira, Jorge Kzan e Osvaldo Trindade. Agachados: Durval, Sabá, Sirotheau, Jeremias, Tindô, Chico, Tuica, Elias, Robilotta, Cabecinha, mascote Acácio, Neves, Carlitinho, ? e Edilson

O Remo já havia se tornado a maior potência nortista. Mas ainda faltava romper de vez as fronteiras regionais. Faltava o Norte-Nordeste que por duas vezes escapara das garras do Leão no passado. Felizmente, o Rei da Amazônia teria uma nova oportunidade para fazer essa reparação histórica. Porém, diferente das edições anteriores, em 1971 o "Nordestão" ganharia um novo status. Faria parte de algo maior, do primeiro Campeonato Brasileiro propriamente dito. 

Isso se deve porque nesse ano, a Confederação Brasileira de Desportos — CBD — instituiu o denominado Campeonato Nacional de Futebol Profissional, que fora dividido em Divisão Extra e Primeira Divisão, equivalentes às Séries A e B, respectivamente. O "Copão", como seria conhecido popularmente, foi um marco no processo de desenvolvimento e integração do principal esporte do país, todavia os privilégios inerentes ao "Robertão"/Taça de Prata perpetuaram. Para a Divisão Extra, a CBD emitiu cinco convites para São Paulo, cinco para Guanabara (Rio de Janeiro), três de Minas Gerais, dois do Rio Grande do Sul, dois de Pernambuco e um para Bahia, Paraná e Ceará.

Já a Primeira Divisão foi esquematizada em duas regiões — Norte-Nordeste e Centro-Sul — cujos campeões disputariam o título brasileiro. A escolha dos participantes ficaria a cargo das federações, podendo utilizar os campeonatos estaduais ou torneios específicos. É neste caso que se enquadra o Pará. A Federação Paraense de Desportos — FPD — criou um Torneio Seletivo, cujos participantes foram definidos de acordo com a posição no campeonato estadual de 1970: Tuna, Paysandu, Remo e Sport Belém, respectivamente.

Folha Vespertina, 16/10/1971

Após seis aguerridos jogos em turno e returno, o Remo obteve três vitórias, dois empates e apenas uma derrota, totalizando oito pontos, a mesma pontuação da Tuna. Entretanto, o Leão ficou com o primeiro lugar pelo saldo de gols (seis gols contra quatro dos tunantes), graças à vitória de 2 a 0 sobre o Paysandu, em 17/11/1971, no último jogo do torneio, com tentos de Robilotta aos 23' do primeiro tempo após cobrança de escanteio, e Jeremias aos 32', aproveitando a desorganização da defesa adversária, especialmente do bicolor Abel. 

Assim, o Mais Querido ganhou o direito de representar o Pará no Campeonato Nacional, feito destacado pela A Província do Pará, de 18/11/1971: "REMO NO COPÃO POR GOAL-AVERAGE — O Clube do Remo é o representante do Pará nas semifinais do Campeonato da 1ª Divisão do Nacional, diante da classificação por 'goal-average', pois acabou em igualdade de situação com a Tuna: 4 pontos perdidos e 8 pontos ganhos. O Leão Azul ganhou tal condição diante de sua vitória muito justa e merecida ontem à noite sôbre o Paissandu, na última peleja do Torneio Classificatório".

Lance da vitória do Clube do Remo sobre o Paysandu que classificou o Leão Azul para o "Copão" e deixou o rival sem divisão em 1971 (A Província do Pará)

TRICAMPEÃO DO NORTE

Folha Vespertina, 29/11/1971

Em seguida, o Mais Querido teve pela frente a Associação Atlética Rodoviária, vice-campeã do Amazonas e indicada pela federação local para disputar o "Copão".  A partir desse ponto, todos os confrontos seriam eliminatórios – “mata-matas” – e, através de um acordo entre as partes, os jogos ocorreram no Baenão. No primeiro embate, dia 25 de novembro, o Remo foi avassalador, mas cansou de perder chances e pecou pelo cansaço de seus jogadores. A vitória magra de 1 a 0, que não traduz bem o que foi a partida, veio através do gol de Carlitinho, aproveitando uma bola escorada por Alcino.

No segundo jogo, três dias depois, a Rodoviária jogou com o seu goleiro reserva De Sica, que entrou no lugar de Clóvis, destaque amazonense da partida anterior. Mesmo não apresentando um primor de futebol, o Leão pressionou desde o início, mas foram os amazonenses que abriram o placar. Mas os azulinos fizeram valer a sua superioridade técnica e tática, reagindo com o gol de Tito, craque do jogo, de fora da área. Logo o Remo fez 3 a 1. A Rodoviária ainda diminuiu, entretanto, a vitória por 4 a 2 concretizou-se com o tento contrário do zagueiro Torres, após pressão de Alcino.

Pela terceira vez, o Remo colocava o futebol paraense no topo da região, como fora enfatizado pela Folha Vespertina do dia 29: "PARÁ CAMPEÃO DO NORTE — Depois de passar um drama no primeiro tempo, quando a Rodoviária abriu a contagem, aos 5 minutos por intermédio de Paulo Borges, marcador que permaneceu até os 5 minutos da segunda fase o Clube do Remo encontrou o caminho do goal, empatando a partida e saíram para a goleada os azulinos garantiram o título da região Norte e agora partem para os jogos contra o Itabaiana, de Sergipe".

Momento de um dos gols da goleada azulina por 4 a 2 (A Província do Pará, 30/11/1971)

CAMPEÃO DO NORTE-NORDESTE 

No prosseguimento da competição, o adversário azulino foi a Associação Olímpica de Itabaiana, de Sergipe, campeã do Nordeste e líder do campeonato estadual. O Tremendão, como era conhecido, fez excelente campanha no certame, superando seus os rivais locais — Sergipe e Confiança —, além de Náutico-PE, CRB-AL, Ferroviário-CE e Flamengo-PI. 

Assim como na final do Campeonato do Norte, a diretoria remista tentou transferir o primeiro jogo, a ser disputado em Aracaju (SE), para o Baenão, mas os representantes do Itabaiana não aceitaram a proposta, mantendo o local da partida. Dessa forma, o jogo de ida da final inter-regional ocorreu no estádio Batistão, no dia 05/11/1971. Curiosamente, o Remo seria o primeiro time paraense a jogar no estádio.

Os tricampeões do Norte desembarcando em Aracaju (SE) para o primeiro jogo da final do Norte-Nordeste (Gazeta de Sergipe, 05/12/1971/Cortesia de Matheus Lima)

Cena do primeiro jogo da grande final (Diário de Sergipe, 07/12/1971/Cortesia de Matheus Lima)

O Leão chegou a Sergipe desfalcado de duas peças importantes: Alcino e Jeremias, que encontravam-se embriagados e sem o paletó oficial do clube. Corretamente, François resolveu barrar os jogadores ainda no aeroporto. Mas não era só isso: Valdemar foi impedido de jogar pela “Lei do Cão”, Edair teve uma distensão muscular às vésperas do embarque e Robilotta estava “tresnoitado”. Mesmo com esses problemas, o Remo conseguiu segurar um heróico empate sem gols, fora de casa. 

A Província do Pará, 07/11/1971

O time do Leão que jogou em Aracaju (A Província do Pará, 07/11/1971)

No jogo de volta da finalíssima, no dia 08/12/1971, o grande apelo pela conquista do título inédito, após bater na trave duas vezes (1968 e 1969), motivou a torcida azulina, que lotou as dependências do ainda acanhado Baenão. Na ocasião, o Remo pôde contar com Alcino e Jeremias, após ambos terem sido multados em 60% dos seus salários e pedirem publicamente desculpas a François. Alcino já vinha com uma rixa de longa data com o treinador e, talvez por isso, começou o jogo no banco de reservas.

Por ironia do destino, esses atletas que foram punidos no confronto de ida, tornariam-se personagens fundamentais para a glória azulina. Após um primeiro tempo equilibrado, a segunda etapa ganhava ares de tensão, especialmente porque o Itabaiana chegava com maior perigo ao gol remista. O clamor da torcida fez com que François colocasse Alcino para o jogo, mudando o cenário. Aos 15’, após boa jogada de Jeremias, o gigante deu lindo passe para Robilotta abrir o placar a favor do Leão. Aos 37’, eles repetiram a façanha, que culminou com mais um gol marcado por Robilotta, em grande noite.

Com os 2 a 0 assegurados, foi só esperar o apito final para a consagração do Filho da Glória e do Triunfo. Uma grande festa tomou as ruas de Belém e os torcedores vibraram pela grande conquista. O Remo tornara-se campeão Norte-Nordeste, título condecorado pela CBD. O fato é que aquela conquista era a maior que um clube do Norte do Brasil poderia obter até então e, mesmo que muitos não aceitem, elevou o futebol paraense a novos patamares, pois, após anos de intensas lutas, finalmente um clube do Norte conquistava também o Nordeste. 

A Província do Pará, de 10/12/1971, evidenciando a emocionante conquista do Clube do Remo. Na imagem, um dos gols anotados por Robilotta

As emocionantes palavras d'A Província do Pará, de 10/12/1971, traduzem toda a importância e magnitude da conquista:

"REMO: NERVOS, LÁGRIMAS E ALEGRIA — Contar o que houve, em notícia sêca, não tem mais sentido. Toda cidade viu ou ouviu os dois a zero que deram ao Remo o vice-nacional da primeira divisão, o norte-nordeste há dez anos não conquistado. Todo mundo se emocionou quando Alcino, chorando, festejava o gol da vitória. Todo mundo vibrou quando, depois do jôgo, François entrava em campo, definitivamente consagrando como treinador. Todo mundo sabe que o primeiro gol do Remo foi aos 15 minutos do segundo tempo, numa jogada que começou com Jeremias, emendou num lindo passe de Alcino e culminou com o petardo de Rubilota. E quando, já nos 37’, os mesmo homens repetiram a façanha. Todos viram a luta de Neves – que bolão, seu! – de Tito – o verdadeiro leão azul em campo. Aqui vai o que poucos sabem: o desenrolar da partida do ângulo dos que estavam no banco. O nervosismo, o comando de François, que conseguiu o que poucos talvez o fizessem: de um Remo desacreditado, transformá-lo num vice-campeão nacional. Ou campeão da metade do Brasil, como querem muitos.Como um mérito: o Itabaiana lutou até o fim. Até o fim, mesmo. Vitória limpa, em jôgo corrido. Os sergipanos, quando terminou a luta, choraram muito. Porque suaram a camisa como poucos. Foram leais, e bons adversários, êles. O melhor é que a torcida soube corresponder, e os respeitou. Embora do lado de cá".

Um adendo com relação à notícia d'A Província do Pará. Considerando que o Remo havia sido duas vezes vice-campeão do Torneio Norte-Nordeste em 1968 e 1969, a passagem "o norte-nordeste há dez anos não conquistado" pode causar estranheza. Talvez a notícia faça referência também à Taça Norte, título correspondente da região Norte-Nordeste da Taça Brasil, disputada pelo Clube do Remo em 1961 e 1965 — isso sem contar o vice azulino no amistoso Torneio Hexagonal Norte-Nordeste de 1967. Portanto, o título de 1971 dava fim aos sucessivos fracassos dos clubes paraenses, que até então jamais haviam ganhado competições inter-regionais oficiais. 

Segue A Província: “Ganhando o Torneio Regional (anteontem recebeu o troféu que fez jus das mãos do presidente da FPF) por gol average, o que não deixa de ser uma vantagem àquele que sabe melhor aproveitar as chances de goal mas tendo 3 vitórias em 4 jogos contra equipes de outros Estados, o Leão Azul, anteontem, se bem que não apresentasse um futebol dinâmico e objetivo no primeiro tempo, fêz o suficiente para ser o vencedor legal, justo e merecido da partida contra o Itabaiana, campeão do Nordeste”.

Assim como fizera após o bicampeonato do Norte em 1969, em 12/12/1971 o Clube do Remo promoveu o seu festival anual no qual foram entregues as faixas simbólicas em homenagem ao título de "1º Campeão Nacional Norte-Nordeste", conquistado sobre o Itabaiana, dois dias antes. A ideia inicial era a realização de um amistoso no Baenão contra a forte Seleção Amazonense, que, quatro dias antes, havia goleado a Seleção Paraense por 7 a 1, em Manaus. O jogo seria uma espécie de tira-teima, já que o Pará não contava com os azulinos tricampeões do Norte e futuros campeões do Norte-Nordeste.

Entretanto, a Federação Amazonense de Futebol — FAF — não aceitou o desafio. O Remo convidou então o Paysandu para o evento, assim como ocorrera há dois anos atrás. Vale destacar que, apesar de toda confusão no polêmico Re-Pa da final do estadual daquele ano, os bicolores (e tunantes) haviam dado o seu apoio ao Mais Querido para a obtenção do título inter-regional, o que, mais uma vez, ressalta a importância da conquista. O resultado do festivo clássico foi um morno 0 a 0. 

No dia seguinte, o jornal O Liberal, cujo proprietário, Rômulo Maiorana, tem relações com o Paysandu, noticiou o evento com a seguinte manchete:: "FESTA DAS FAIXAS CONSAGROU CAMPEÕES DO NORTE-NORDESTE — (...) A entrega das faixas foi a consagração que faltava aos campeões do Norte e Nordeste, título que enobrece não só o Clube do Remo, mas muito honra o futebol paraense". O periódico encartou um belíssimo pôster que eternizou o momento com a foto histórica dos heróis azulinos envergando as suas faixas.

O Liberal, 13/12/1971

A DECISÃO DO BRASILEIRO

A conquista do Norte-Nordeste permitiu ao Remo disputar a final do 1º Campeonato Nacional de Clubes da Primeira Divisão, como previa o regulamento, contra o Villa Nova, de Minas Gerais, Campeão do Centro-Sul. Como cada um venceu os seus jogos, em seus respectivos domínios, uma terceira partida foi necessária para decidir o título. Esta ocorreu no estádio Independência (MG), contra a vontade dos dirigentes azulinos que queriam a final no Mineirão, já prevendo o ambiente hostil que os atletas enfrentariam. No dia do jogo, 22/12/1971, os torcedores arremessaram bagaços de laranjas e garrafas no gramado. Em meio a tanta polêmica, o Remo acabou perdendo por 2 a 1, ficando com o vice-campeonato brasileiro. 

* Esse texto foi feito graças às pesquisas de Adenirson Olivier (Cultura de Remo), Felipy Chaves (Enciclopédia do Leão) e Joaquim Rangel (Azulinos da Cidade).