terça-feira, 17 de outubro de 2023

A Taça Pará-Rio-São Paulo e a Embrionária Idéia do Campeonato Brasileiro

No final de 1915, Belém vivenciava a proximidade dos festejos dos seus 300 anos — a serem comemorados em 12/01/1916 —, fato que também atingiria o âmbito esportivo. Em suas edições de 28 e 29/11/1915, o jornal Estado do Pará transcreveu matérias passadas dos periódicos cariocas A Noite e A Rua, provavelmente do início do mês de novembro daquele ano, que tratavam sobre o "Festival Pará", uma espécie de evento comemorativo ao tricentenário da capital paraense organizado por membros da bancada paraense do Parlamento Nacional, realizado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 16/11/1915.

Estado do Pará, 28/11/1915

Estado do Pará, 29/11/1915

Dentro das matérias estava a mensagem do sportman Ulysses Reymar, de 25/10/1915, direcionada às bancadas carioca e paulista para que prestigiassem o "Festival Pará". O objetivo era angariar recursos para a criação da Taça Pará-Rio-São Paulo, um "prêmio de honra" que, segundo Reymar, "congraçará, em primeira mão, o norte, o centro, e o sul do Brasil, levando ao triumpho a bandeira envolvente da nossa tão desejada unificação dos sports". Para tanto, estariam presentes representantes de importantes instituições esportivas, como a Liga Paraense de Foot-Ball, a Liga Metropolitana de Sports Athleticos (RJ), a Associação Paulista de Sports Athleticos, a Federação Brasileira das Sociedades de Remo, e grandes clubes, como o Fluminense, o Flamengo, o Vasco, entre outros.

Infelizmente, apesar de toda essa movimentação, a Taça Pará-Rio-São Paulo jamais saiu do papel. Segundo o Estado do Pará, de 30/11/1915, o grande motivo para isso foi a então recente vitória dos paulistas sobre os cariocas por 8 a 0, em 07/11/1915, na decisão da Taça Rio-São Paulo, o que estremeceu as relações entre ambos. E como a disputa da Taça Pará-Rio-São Paulo exigia uma partida "preliminar" entre Rio de Janeiro e São Paulo — cujo campeão enfrentaria o Pará na "final" —, essa situação foi crucial para a não realização da disputa.

Estado do Pará, 30/11/1915

Em compensação, entre final de 1915 e início de 1916, o Flamengo-RJ — então bicampeão carioca — esteve no Pará, representando o seu estado, para a disputa de uma sequência de amistosos, contra a Seleção Paraense, Remo e Paysandu — foi nessa ocasião, inclusive, que se deu o primeiro jogo interestadual da história do futebol azulino. No final da série, valendo a Taça Tricentenário de Belém — "substituta" da Taça Pará-Rio-São Paulo —, a valente Seleção Paraense assegurou a sua posse graças ao empate sem gols diante dos cariocas, mostrando como o futebol paraense poderia se equiparar ao eixo.

Pode parecer pretensioso, mas, tomando como base as palavras de Ulysses Reymar, a Taça Pará-Rio-São Paulo/Tricentenário de Belém, pela sua ideia de "congregação inter-regional", apresentava características de um embrionário Campeonato Brasileiro. Isso vai ao encontro à matéria "O grande campeonato Brasileiro de Foot-Ball", da revista Vida Sportiva, de 11/05/1918, assinada por A. Santos, que discorre sobre o crescimento do futebol nos estados do Norte-Nordeste — em especial no Pará, seguido por Pernambuco —, o que subsidiaria a disputa de uma competição com os estados do Sul-Sudeste para se definir o campeão do Brasil. Em outra edição, a Vida Sportiva em matéria intitulada "Qual é o Club Campeão do Brasil?", aborda até um modelo de campeonato regionalizado entre os clubes campeões do "Norte" e os campeões do "Sul".

Vida Sportiva, 11/05/1918

Vida Sportiva, 22/02/1919

Um adendo deve ser feito quanto às nomenclaturas regionais. O "Norte", na verdade, diz respeito aos estados do Norte-Nordeste, enquanto que o "Sul" ao Sul-Sudeste. Essa visão dicotômica dividia o mapa futebolístico brasileiro nesses dois grandes eixos e se perpetuaria por décadas à frente.

Outro ponto interessante que merece destaque é que ambos os documentos dão merecido destaque ao Clube do Remo. A hegemonia estadual desde 1913 e o cartaz de "campeão do Norte" desde 1917, o colocavam como a maior força setentrional do país.

Todavia, mais uma vez, nenhuma dessas discussões foi colocada em prática. Provavelmente, isso se deve pelo ideal de superioridade que os centros do "Sul" tinham em relação aos do "Norte", o que reflete-se no desinteresse em realizar um Campeonato Brasileiro de fato. Uma prova disso se deu quando o Paulistano-SP venceu o Torneio dos Campeões Estaduais de 1920, organizado pela Federação Brasileira de Sports — FBS —, sobre Fluminense-RJ e Brasil de Pelotas-RS.

O time paulista foi tratado como "campeão brasileiro", mas isso não foi unanimidade. O jornal Correio da Manhã (RJ), de 30/03/1920, divulgou uma carta de um leitor que assinava como Out-Side, criticando essa competição como representativa de um Campeonato Brasileiro por excluir injustamente os representantes do Norte, novamente destacando os estados de Pará e Pernambuco — fazendo referência inclusive à disputa da Taça Tricentenário de Belém de 1915 —, claramente superiores ao futebol gaúcho — representado no torneio pelo Brasil de Pelotas — naquela época.

Recorte do Correio da Manhã (RJ), 30/03/1920

Essa visão, de certa forma "egocêntrica" do "Sul", impediu uma precoce integração do futebol brasileiro. Somente com as pioneiras conquistas de Atlético-MG e Bahia, vencedores do Torneio dos Campeões de 1937 e da Taça Brasil de 1959, é que se daria conta que o futebol brasileiro não se restringia apenas a Rio de Janeiro e São Paulo. Quem sabe se esse panorama tivesse mudado antes, lá nos primórdios, quando o futebol paraense era uma potência, a hierarquia nacional não tivesse outra configuração?

FONTES:

- Jornal Estado do Pará, 28, 29 e 30/11/1915.
- Jornal Correio da Manhã (RJ), 30/03/1920.
- Revista Vida Sportiva (RJ), 11/05/1918 e 22/02/1919.

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